TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

841 acórdão n.º 532/17 IX – A inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos constitui um meio inequivocamente idóneo à prossecução dos princípios da vinculação da Administração Pública ao interesse público e da isenção e independência no exercício dos cargos públicos, na medida em que obsta a que o cargo eletivo possa vir a ser ocupado por quem não reúne condições objetivas para o seu exercício idóneo e independente. X – Já nos planos da exigibilidade e da proporcionalidade, pode parecer que os desideratos que o legis- lador terá tido em vista podem ser adequadamente assegurados através de uma solução não apenas menos restritiva do direito de sufrágio passivo dos insolventes, mas diretamente imposta pelo princí- pio democrático, nomeadamente através da sua refração no princípio constitucional da autonomia do poder local; tal solução seria a obrigatória divulgação pública da declaração de insolvência do candida- to, cabendo aos eleitores a ponderação da relevância desse facto, através do exercício do seu direito de sufrágio ativo; seria, assim, a inelegibilidade dos insolventes uma medida excessiva, por desnecessária, por mais benévolas e legítimas que fossem as suas razões. XI – Porém, este modo de ver as coisas parte de uma conceção inadequada dos fundamentos constitucio- nais do poder local; a autonomia local é limitada e condicionada pela vontade geral na qual exclusiva- mente se funda e pela unidade do Estado no qual se repercutem, em última instância, as consequên- cias do seu eventual descalabro, sendo a esta luz que se deve compreender a função da inelegibilidade estabelecida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da LEOAL: a restrição que ela impõe à autonomia das comunidades locais destina-se a prevenir a degeneração da administração local e a reforçar a confiança da comunidade nacional no exercício pelas autarquias dos poderes que a Constituição lhes devolveu; ao assegurar que os candidatos eleitorais aos órgãos autárquicos reúnem condições objetivas para prosseguirem, de forma idónea e independente, o interesse público, o regime da inelegibilidade dos insolventes constitui uma garantia de que o poder local tem a capacidade de desempenhar a função administrativa que lhe foi confiada através da devolução de poderes originários da comunidade nacio- nal, tratando-se de uma solução que não se pode reputar inexigível ou desproporcionada, contendo-se nos limites impostos pelo princípio da proibição do excesso. XII – Quanto à alegada violação do princípio geral da igualdade, na medida em que a inelegibilidade em causa diz apenas respeito à eleição para órgãos de autarquias locais e não a quaisquer outras eleições, designadamente de âmbito nacional ou regional, a questão que se coloca é a de saber se, ao permitir que cidadãos insolventes sejam ou não elegíveis consoante pretendam candidatar-se a eleições para os órgãos das autarquias locais ou a eleições para qualquer outro cargo eletivo, a lei estabelece entre eles uma distinção arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional. XIII – O termo de comparação relevante não é, simplesmente, a dupla condição de insolvente e de candidato, mas, na verdade, a natureza da função servida e do fundamento do poder exercido pelos titulares dos cargos abrangidos pela inelegibilidade; os fundamentos, as atribuições e competências dos órgãos das autarquias locais são substancialmente diversos dos demais órgãos eletivos, designadamente o Presidente da República e a Assembleia da República, as Assembleias Legislativas Regionais e o Parlamento Euro- peu, o que justifica diferentes categorias de inelegibilidades; no caso da inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos, o que conta é o facto de a autonomia local ser a forma privilegiada de descen- tralização administrativa, que se traduz no exercício de uma função executiva através de poderes deriva- dos, decorrendo daí que a diferença de tratamento entre candidatos insolventes a órgãos autárquicos e a outros cargos eletivos, sendo materialmente fundada, não ofende o princípio da igualdade.

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