TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
840 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não tenha sido encerrado, desde que a insolvência não tenha sido qualificada de culposa ou não exista pedido de exoneração do passivo restante; neste último caso, a cessação dos efeitos da insolvência, equivalentes à antiga figura da reabilitação do falido, ocorre apenas com a decisão final de exoneração, que põe termo definitivo ao período de cessão referido no n.º 2 do artigo 239.º do CIRE; sendo esse o alcance a dar ao artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, nos termos da «interpretação dinâmica e atualista» que a jurisprudência constitucional tem vindo a fazer de tal preceito, é quanto basta para afastar um dos argumentos do recorrente, qual seja o de que o preceito aqui em causa foi tacitamente revogado, por força da evolução do quadro legal da insolvência. V – A questão de saber se a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) , da LEOAL, se ancora em valores – a título principal, os do n.º 3 do artigo 50.º, mas sem exclusão de outros que relevem do princípio da unidade da Constituição – suficientemente robustos para justificarem a restrição de um direito que é fundamental por razões simultaneamente subjetivas – a oportunidade dos cidadãos para participarem no governo da sua comunidade – e objetivas – a necessidade indispensável de candidatos eleitorais para ocuparem cargos eletivos –, redunda em determinar quais as rationes , ou quais os teloi , da inelegibilidade dos insolventes para órgãos autárquicos, e em aferir se as mesmas têm respaldo constitucional. VI – A jurisprudência do Tribunal sobre essa matéria reconduz a inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos, no essencial, a duas ordens de valor constitucional, que encontram fundamento no n.º 1 do artigo 266.º e no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição: em primeiro lugar, à noção de que a declaração de insolvência constitui um indício forte de que o visado revelou, no passado recente, imprudência e ineptidão na gestão do seu património; encerrando a inelegibilidade dos insolventes para os órgãos autárquicos apenas o desiderato de tutelar a vinculação da função administrativa ao interesse público, a lei reflete a presunção da falta de idoneidade dos insolventes para participarem no exercício do poder local, estando em causa o princípio constitucional da prossecução do interesse público pela Administração Pública. VII – Em segundo lugar, a jurisprudência constitucional ancora a inelegibilidade dos insolventes na garantia de independência no exercício do poder local; por um lado, a insolvência constitui uma situação de debilidade económica, traduzida na incapacidade patrimonial do devedor para cumprir as obrigações vencidas, encontrando-se o insolvente numa posição de especial vulnerabilidade, da qual resulta um risco acrescido de abuso de poder e de gestão danosa; por outro lado, o decretamento judicial da insolvência e a subsistência de tal estado implicam, para o visado, um extenso conjunto de restrições, de onde decorre que o insolvente está numa situação de dependência sistemática em relação a terceiros em matéria de administração pessoal – uma verdadeira e própria capitis deminutio –, situação essa que o legislador presume dificilmente conciliável com a expectativa de independência que a comunidade deposita nos titulares de órgãos da administração local, estando em causa a garantia de isenção e de independência no exercício de cargos públicos. VIII– Encontrando a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, fundamento no n.º 1 do artigo 266.º e no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição, cabe apreciar se a restrição do direito de sufrágio passivo que a mesma consubstancia observa os limites impostos pelo princípio da proibição do excesso, nos seus três subprincípios ou «testes»: idoneidade, exigibilidade e propor- cionalidade.
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