TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qualquer sociedade anónima de direito privado, cujas participações sociais possam ser transmitidas pelos seus titulares a qualquer outro sujeito jurídico, sem quaisquer restrições, cabendo ao mercado e à lei da oferta e da procura definir o valor dessas participações», «mas sim uma empresa pública, cujas ações repre- sentativas do capital social apenas podem ser alienadas – e sempre com autorização do Estado (cfr. artigo 5.º, n.º 6) – a outros entes públicos». «E por isso que dizer que o valor que resulta do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 92/2015 não é atendível porque não corresponde ao valor em termos de mercado da participação social é uma afirmação desprovida de lógica» (cfr. os artigos 192.º a 194.º da pronúncia). De facto, a sociedade Águas do Mondego – é esta que releva, nos termos do artigo 30.º, n.º 3, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 92/2015 – era uma empresa pública e que prestava, em regime de exclusivo, um serviço público. Aos municípios, foram apenas atribuídas ações da classe A , de que só podem ser titulares entes públicos e que «devem representar, sempre e pelo menos, 51% do capital social com direito a voto» (cfr. os n. os 2 e 3 do artigo 5.º e o n.º 1 do artigo 8.º dos estatutos da sociedade, anexos ao Decreto-Lei n.º 172/2004). É certo que «as ações da classe A podem ser convertidas em ações da classe B , a pedido do seu titular», mas apenas «mediante prévia deliberação favorável da assembleia geral da sociedade» (cfr. o artigo 5.º, n.º 4). Por último, é de salientar que «[a] sociedade primeiro e depois todos os acionistas, seja qual for a classe de ações de que sejam titulares, têm direito de preferência na alienação de ações nominativas da classe B (cfr. o artigo 8.º, n.º 7). Deste modo, embora, à partida, não esteja completamente vedada a possibilidade de os municípios transmitirem as suas ações a entidades privadas, a verdade é que são inúmeros os condicionamentos a que essa transmissão está sujeita, incluindo, a jusante, a necessidade de aprovação, por parte da assembleia geral da sociedade, da conversão das ações da classe A em classe B . E, na verdade, dado o objeto da sociedade e a natureza dos seus acionistas originários, estes condicionamentos relacionam-se, sobretudo, com considera- ções sobre a melhor forma de prosseguir o interesse público. Em suma, a sociedade em causa não desenvolve a sua atividade no mercado, pelo que não deverão as participações sociais respetivas – ainda que isso, de alguma forma, seja exequível – ser avaliadas pelo seu valor de mercado. Por outro lado, as normas para as quais o Decreto-Lei n.º 92/2015 remete são as regras em geral apli- cáveis aos casos de morte, exoneração ou exclusão de sócios (e não só de sociedades anónimas) – incluindo as exonerações que são resultado da circunstância de o sócio ter votado contra um projeto de fusão. Ora, a situação dos municípios no presente caso é, no que respeita às exigências de indemnização, análoga à de um sócio que vota contra um projeto de fusão. A extinção da sociedade Águas do Mondego e das restantes sociedades concessionárias dos sistemas multimunicipais extintos pelo Decreto-Lei n.º 92/2015 implica a transmissão dos seus ativos para a sociedade Águas do Centro Litoral, criada pelo mesmo diploma. Se a reforma em questão tivesse, como pretendem os requerentes, sido efetuada ao abrigo das regras do Código das Sociedades Comerciais, seriam aplicáveis as normas supra citadas. Efetivamente, se quanto a outros aspe- tos, mesmo relativos aos sócios (por exemplo, quanto à possibilidade de participar no processo de decisão), são bem distintos os casos de fusão e da reforma levada a cabo Decreto-Lei n.º 92/2015, já quanto à afetação dos direitos patrimoniais do sócio discordante em nada se distinguem. Deste modo, a remissão efetuada pelo artigo 30.º, n.º 3, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 92/2015 não é, de todo, arbitrária, correspondendo até a uma exigência global de justiça relativa. É de notar, a este propósito, que a norma constante do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição não exige, necessariamente, que a justa indemnização corresponda ao valor de mercado do bem expropriado. Com efeito, como disse este Tribunal no Acórdão n.º 243/01: «[A] indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a fatores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=