TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

799 acórdão n.º 495/17 Tais inibições, em si mesmas consideradas, podem justificar-se pela defesa de interesses gerais do tráfego, desempenhando, assim, também, uma função preventiva de condutas culposamente atentatórias da segu- rança do comércio jurídico. Seguindo um raciocínio próximo do expendido pelo Conselheiro Benjamim Rodrigues na sua declaração de voto anexa ao Acórdão n.º 564/07 – então referido à inabilitação, mas que, como evidenciado no Acórdão n.º 173/09, pode ser transposto para a simples inibição –, dir-se-á serem admissíveis inibições, fundadas em razões de prevenção de práticas lesivas do interesse geral e da segurança do comércio jurídico em geral que estão assumidas como “incumbências prioritárias” a serem cumpridas pelo Estado no artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição, ao exercício pelo devedor insolvente de certas atividades económicas e patrimoniais, quando a sua insolvência seja qualificada como culposa. Com efeito, tal qualifi- cação está sujeita a um específico procedimento de avaliação dos comportamentos tidos pela pessoa atingida quanto ao cumprimento dos seus deveres nas relações económicas estabelecidas com terceiros (artigo 188.º do CIRE). Ou seja, é a violação dolosa ou com culpa grave (artigo 186.º do CIRE) de deveres legais e pru- denciais de atuação na gestão do património de que acabou por resultar a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas. Tem por isso razão de ser o receio de que situações idênticas possam ocorrer num futuro mais ou menos imediato por virtude da viciação em certos hábitos e comportamentos. Fundando-se a referida qualificação na inobservância culposa desses deveres de atuação económica por parte dos sujeitos atingidos na sua gestão patrimonial, não se afigura desadequado que lhe sejam impostas inibições temporárias nesse domínio. Com as mesmas, nomeadamente as previstas no artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) , do CIRE, visa o legislador obstar ao mencionado receio de que o atingido prossiga um certo modo de atuação jurídico-economicamente distorcida com terceiros, com grave lesão dos interesses gerais da confiança, da boa fé e da segurança do comércio jurídico. Fica, deste modo, demonstrada não só a conexão entre o fim do período de inibição e a reintegração plena do insolvente na vida económica, como, sobretudo, a importância do termo de tal período para a formação da confiança da comunidade relativamente à responsabilidade, competência, diligência e zelo de quem, apesar de ter sido um devedor insolvente no quadro de uma insolvência culposa, se propõe agora exercer um cargo público eletivo em que aquelas qualidades têm de estar ao serviço da administração de verbas e interesses públicos. Por isso, também, a ratio da inelegibilidade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL impõe que a mesma se aplique a quem, como o candidato João de Deus Dias Ferreira, no dia previsto para a eleição para o órgão da autarquia local a que se candidate ainda se encontra inibido, por força de uma sentença de qualificação da respetiva insolvência como culposa, para administrar patrimónios de terceiros, para o exercí- cio do comércio ou para a a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa. III – Decisão Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida de julgar inelegível João de Deus Dias Ferreira, candidato apresentado como cabeça de lista pela coligação PSD/CDS-PP deno- minada «Juntos Pelo Futuro» à eleição para a Assembleia de Freguesia de Alcobertas, concelho de Rio Maior, a realizar em 1 de outubro de 2017. Lisboa, 7 de setembro de 2017. – Pedro Machete  – Fernando Vaz Ventura – Gonçalo de Almeida Ribeiro –  José António Teles Pereira – Maria de Fátima Mata-Mouros – Joana Fernandes Costa – João Pedro Caupers. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 26 de setembro de 2017. 2 – O Acórdão n. º 532/89 está publicado em Acórdãos, 14.º Vol. 3 – Os Acórdãos n. os 511/01 e 515/01 e stão publicados em Acórdãos, 51.º Vol. 4 – Os Acórdãos n. o s 173/09 e 553/13 e stão publicados em 74.º e 88.º Vols., respetivamente.

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