TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

794 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Segundo a lei hoje aplicável – o CIRE, que extinguiu a declaração de falência –, «é considerado em situa- ção de insolvência o devedor [– independentemente de se tratar de um comerciante ou não –] que se encon- tre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas» (cfr. o respetivo artigo 3.º, n.º 1). A finalidade do processo de insolvência é agora a «satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores» (vide o artigo 1.º, n.º 1, do mesmo diploma). Por isso e, sem prejuízo das situações especiais em que a administração dos seus próprios bens continua a ser possível (vide artigos 223.º e seguintes do CIRE), a declaração de insolvência tem um impacto severo na autonomia, principalmente patrimonial, do devedor. Por exemplo:  –   «[A] a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência» (artigo 81.º, n.º 1, do CIRE); –   [A]o devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros suscetíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo» (artigo 81.º, n.º 2, do CIRE); –   [S]ão ineficazes os atos realizados pelo insolvente em violação do disposto nos números anteriores, respon- dendo a massa insolvente pela restituição do que lhe tiver sido prestado apenas segundo as regras do enrique- cimento sem causa […]» (artigo 81.º, n.º 6, do CIRE); –   O devedor fica obrigado a um amplo dever de apresentação e colaboração com o juiz e o administrador da insolvência (artigo 83.º do CIRE). Deste modo, tem sido entendido que a ratio da inelegibilidade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, se prende, desde logo, com exigências de isenção e independência na atuação dos órgãos das autarquias locais (cfr. o artigo 50.º, n.º 3, da Constituição). Na verdade, quem se encontra numa situação de grande vulnerabilidade no plano patrimonial não oferece garantias de poder estar à altura daquelas exigên- cias. Como se refere na sentença recorrida, exige-se «o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos de caráter eletivo e, no caso particular desta inelegibilidade, a mesma visa evitar que cidadãos comprovadamente incapazes de gerir interesses patrimoniais próprios possam aceder à gestão de interesses patrimoniais de terceiros», nomeadamente de verbas e património públicos. Nesse sentido, afirmou este Tribunal no seu Acórdão n.º 553/13: «Do que se trata, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL, é, pois, da relação estabele- cida entre as funções de administração pública a desempenhar pelo candidato, se eleito, e a gestão dos seus bens patrimoniais (dos seus rendimentos) na esfera privada. A inelegibilidade dos insolventes prende-se pois com a necessidade de garantir, com independência e plena capacidade de gestão, a administração financeira dos bens públicos que lhe vai ser confiada no cargo para o qual serão eleitos. Trata-se da gestão de património financeiro, em grande medida determinado pelas receitas cobradas aos contribuintes/eleitores, o que justifica exigir o legislador a observância de um certo rigor na gestão privada dos bens e rendimentos do eleito e a garantia de capacidade para o efeito […]» 8. O artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL ressalva da inelegibilidade nele prevista a reabilitação do falido ou insolvente. Com efeito, e como mencionado, à data da entrada em vigor da LEOAL vigorava o CPEREF cujo regime previa a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, designadamente quando se procedia, nos termos conjugados dos seus artigos 238.º e 239.º, à reabilitação do falido:

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