TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

793 acórdão n.º 495/17 6. Está em causa o direito de sufrágio passivo ou direito de ser eleito para cargos políticos. Este Tri- bunal vem entendendo tratar-se de um direito, liberdade e garantia de participação política estreitamente relacionado com o princípio democrático que não releva apenas – nem fundamentalmente – de uma mera expressão da individualidade privada face ao poder público, mas também do específico modo de estruturação e conformação desse mesmo poder público, enquanto poder democrático. A democracia implica eleições como modo de designação dos titulares do poder, o que só é possível se houver pessoas que possam ser eleitas. A propósito do mencionado direito, observou-se no Acórdão n.º 532/89: «Como direito fundamental que é, a própria Constituição – n.º 2 do artigo 18.º – adverte só poder a lei restringi-lo nos casos nela expressamente previstos, “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.   Por outras palavras, proíbe-se o excesso e exige-se a adequação (meios-fins), tendo em consideração os interesses tutelados. O próprio texto constitucional consagra, de resto, o critério dos limites admissíveis: no n.º 3 do artigo 50.º afirma-se claramente que, no acesso aos cargos eletivos, a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores – acautelando-se, desse modo, os riscos inerentes à captação da bene- volência destes – e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos, sancionando-se, assim, com dig- nidade constitucional, a densificação do princípio da vinculação do legislador aos direitos fundamentais mediante a imposição de outros valores que, passando pela necessidade de afirmar o princípio da legalidade, conformam o poder político, no caso o poder local» (no mesmo sentido, ver, entre outros, os Acórdãos n. os  25/92, 382/01, 515/01, 448/05, 443/09, 462/09, 480/13 e 550/13). O Tribunal tem igualmente sublinhado que, em matéria de inelegibilidades, estando-se «na presença de um direito fundamental de natureza política», «não é licito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplica- ções analógicas que se configurariam como restrições de um direito politico, sendo certo que em matéria eleitoral «as normas que estabelecem casos de inelegibilidade contém enumerações taxativas e não meramente exemplifica- tivas» (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 735/93, 511/01 e 515/01). 7. No caso sujeito, cumpre analisar a inelegibilidade geral prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) , da LEOAL: «São […] inelegíveis para os órgãos das autarquias locais: a) os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.»  À data em que a LEOAL iniciou a sua vigência, o falido, judicialmente declarado como tal, encontrava- -se privado da administração e do poder de dispor dos seus bens, que integrassem ou devessem integrar a massa falida; os negócios por si realizados eram, em princípio, inoponíveis à massa falida [cfr. os artigos 147.º e 155.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (“CPEREF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril]. Já no respeitante à insolvência, esta correspondia tradicionalmente à situação do devedor não comerciante, ou da sociedade civil, cujo património apresentasse um passivo superior ao ativo, sendo a mesma presumida quando contra o devedor corressem duas execuções não embargadas, ou quando lhe tivesse sido feito arresto com fundamento no justo receio de insolvência. A declaração da insolvência determinava que o insolvente não pudesse administrar e dispor dos seus bens até à liquidação total da massa. Em qualquer dos casos, está em causa uma limitação das possibilidades de atuação económica futura dos visados em consequência de suas atuações anteriores de idêntica natureza que puseram em causa ou lesaram os direitos de terceiros – nomeadamente dos credores – e, por isso mesmo, também a confiança pressuposta pelo tráfego comercial e, bem assim, a boa fé e a segurança jurídica que necessariamente devem presidir às relações de natureza patrimonial em geral.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=