TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
77 acórdão n.º 707/17 «A expropriação é um modo de aquisição de direitos sobre coisas que tem em vista proporcionar o aprovei- tamento direto dos bens pela entidade expropriante, sempre que a sua utilização se torna necessária para realizar determinados fins de interesse geral (obras públicas, reforma agrária, controlo da economia, proteção do patrimó- nio, entre os mais frequentes). É um ato, portanto, que assenta na prevalência da utilidade administrativa de um bem, para o Estado ou para outra entidade com atribuições de interesse público, em confronto com a utilidade que ele representa para o seu detentor particular. Nisso reside a justificação do sacrifício imposto ao direito do proprie- tário e, simultaneamente, a raiz do perfil histórico da expropriação como ponto de tensão especialmente sensível nas relações entre o poder público e os direitos individuais». Ora, no caso sub juditio , não existe uma simples aquisição, pelo Estado, de um direito patrimonial alheio (e este não configura, claro está, um direito sobre um imóvel), assente «na prevalência da utilidade administrativa de um bem, para o Estado», «em confronto com a utilidade que ele representa» para o muni- cípio. Tal sucederia se, pura e simplesmente, o Estado se apropriasse das ações dos municípios na sociedade Águas do Mondego ou se, em alternativa, a extinguisse e se apropriasse dos seus ativos. Contudo, no presente caso, embora se proceda à extinção de uma sociedade comercial e se crie, do mesmo passo, outra sociedade, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações e para a qual é transferido o seu património, aos possuidores de ações na sociedade extinta são, através do mesmo diploma legislativo, atribuídas participações na sociedade que lhe sucede. O Estado não pretende, assim, apoderar-se de ativos da sociedade extinta ou das participações sociais dos municípios, passando a sociedade a quem é atribuída a concessão a ser detida exclusivamente por si, pelo que não estamos, em rigor, perante uma “expropriação por utilidade pública”. No entanto, tendo em conta que, como veremos, os municípios não podem ser obrigados a participar na nova sociedade e que, além do mais, as participações nesta podem não equivaler, em termos de valor, às ações na sociedade extinta, pode suceder que, no final de contas, a intervenção do Estado relativa à socie- dade Águas do Mondego consista numa apropriação dos direitos patrimoniais dos municípios em questão, passando a sociedade concessionária que lhe sucede a ser detida, em exclusividade, pelo Estado (ou, pelo menos, sem a participação desses municípios). Haveria, assim, uma lesão de direitos patrimoniais privados do município, que resultaria, como na expropriação, de uma intervenção externa à sociedade. Por conseguinte, embora não haja uma “expropriação por utilidade pública”, os municípios são colo- cados numa posição em que os seus direitos patrimoniais são restringidos de uma forma análoga à que se realiza numa expropriação. Em conformidade, a intervenção do Estado deverá, do mesmo modo, prosseguir uma finalidade que, sob o prisma do princípio da proporcionalidade, se apresente como justificadora da restrição em causa. Articulando-se o direito de propriedade com a garantia da autonomia local, tal finalidade deverá constituir um interesse geral ou nacional, também ele plasmado na Constituição, e que justifique, em ponderação, a compressão da autonomia que possuem os municípios de decidirem sobre a melhor forma de prosseguirem os interesses das populações locais. Estando este primeiro requisito preenchido, há ainda que proceder ao pagamento de justa compensação. 33. Neste âmbito, cabe convocar a jurisprudência que o Tribunal emitiu sobre o direito a uma justa indemnização, cuja síntese é feita no Acórdão n.º 599/15 nestes termos: «O direito a uma justa indemnização (enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias e desse regime beneficiando, por via do artigo 17.º da Constituição) traduz-se no direito ao recebimento de um montante que se mostre adequado a ressarcir o expropriado da privação do bem expropriado, não podendo a indemnização devida ser irrisória ou manifestamente desproporcionada à perda sofrida. Assim, o quantum indemnizatório devido em caso de expropriação – em especial na perspetiva da sindicância do critério que o permite calcular, como é o caso dos autos – mostra-se indissociável do conceito de justa indemni- zação – conceito de que se ocupa, aliás, grande parte da jurisprudência constitucional em matéria de expropriações.
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