TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

76 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, «[s]ervindo a fórmula de invólucro de todos os parâmetros constitucionais integrativamente convocáveis na modelação do conteúdo e na definição dos limites, por lei, do direito de propriedade objeto da tutela constitucional, é manifesto que nela estão contidos, de forma saliente, os princípios e as opções de valor “cunhados” finalisticamente pela consecução do projeto económico, social e político da Constituição» (Joaquim de Sousa Ribeiro, “O direito de propriedade privada na jurisprudência do Tribunal Constitucio- nal”, in Relatório apresentado à Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal , outubro de 2009, p. 26, dispo- nível em www.tribunalconstitucional.pt ). Ora, tal como a garantia de propriedade privada tem de ter em conta a função económica desta, admi- tindo, assim, restrições face à organização económica postulada pela Constituição, o mesmo sucede no que respeita ao modelo constitucional de organização política e, mais especificamente, de autonomia do poder local. A proteção constitucional da propriedade das autarquias locais não pode abstrair da sua função enquanto garante e instrumento da autonomia do poder local e da prossecução dos interesses das populações respetivas. Por conseguinte, na medida em que, constitucionalmente, são admissíveis restrições à autonomia do poder local, são igualmente admissíveis restrições aos direitos de conteúdo patrimonial dos municípios. 31. Estando assente que os direitos em questão podem ser restringidos, falta ainda determinar quais são os requisitos a que se subordinará essa restrição. Neste plano, importa verificar se a matéria em causa no pre- sente caso se poderá subsumir à previsão do artigo 83.º da Constituição – disposição que, no que respeita às condições a que se sujeita a restrição ao direito de propriedade previsto no n.º 1 do artigo 62.º, contém um regime diferente do estabelecido no n.º 2 deste último preceito (neste sentido, cfr., por exemplo, os Acórdãos n. os 452/95 e 493/09 deste Tribunal). Apesar desta circunstância, os requerentes alegam que a extinção da sociedade Águas do Mondego viola ambas as normas (dos artigos 62.º, n.º 2, e 83.º), notando ainda que, «caso se entenda que os factos afirmados se subsumem à previsão do artigo 83.º da Constituição, (…) o Decreto-Lei n.º 92/2015 é também materialmente inconstitucional, por ausência de lei habilitante, dado o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea l), da Constituição» (cfr. os pontos 59 e 66 do pedido). A norma do artigo 83.º tem a seguinte redação: «[a] lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indem- nização». Trata-se de uma norma inserida na Parte II da Constituição, sobre a organização económica. Deve ser interpretada em conjugação com a norma do artigo 82.º, n.º 1, que garante «a coexistência de três setores de propriedade dos meios de produção», e com a do n.º 2, segundo a qual «[o] setor público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas». No presente caso, está em causa a extinção de uma empresa pública que se inclui no setor empresarial do Estado e em que certos municípios detêm uma participação minoritária. Trata-se, portanto, de uma empresa já detida exclusivamente por pessoas coletivas públicas, integrando o setor público dos meios de produção. Ora, a norma do artigo 83.º tem por objeto, apenas, as transferências para o setor público de meios de produção integrantes de qualquer dos outros setores. Conjugadamente com o artigo 82.º, o que se pretende garantir é que, ao nível da organização económico-social, coexistam três setores distintos e que a apropriação pública dos meios de produção que integram os setores privado ou cooperativo só se faça nas condições previstas no artigo 83.º O enquadramento das posições relativas dentro do setor público é estabelecido por outras disposições constitucionais. No que respeita especificamente à posição dos municípios face ao Estado, são de destacar, como vimos, as garantias da propriedade e da autonomia do poder local. Deste modo, e independentemente de considerações adicionais, a situação em causa não é abrangida pelo disposto no artigo 83.º Consequente- mente, não é igualmente aplicável o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea l) , da Constituição. 32. Importa, então, tomar em consideração o artigo 62.º, n.º 2, que submete a admissibilidade da expropriação por utilidade pública, entre outros requisitos, ao pagamento de uma justa indemnização. Sobre a figura da expropriação, diz-se, no Acórdão n.º 205/00, o seguinte:

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