TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
75 acórdão n.º 707/17 28. Ainda no âmbito do artigo 4.º, alegam os requerentes que a «extinção dos direitos patrimoniais dos municípios acionistas decorrentes das participações sociais extintas contra ou independentemente da von- tade dos seus titulares sem que lhes tivesse atribuído a devida compensação» viola os direitos do município sobre o seu património. Com efeito, «porque, nos termos expostos, as participações dos [municípios] na nova sociedade não assumem a natureza de qualquer compensação ou sucedâneo de valor equivalente à par- ticipação social que têm na sociedade Águas do Mondego, há aqui uma violação do direito de propriedade dos Municípios por efeito da privação das ações assumir a natureza análoga a uma expropriação e, simulta- neamente, por ausência de uma justa compensação». Acrescentam ainda que «o Governo, ao ter agido sobre a vontade negocial dos acionistas da sociedade Águas do Mondego, viola a autonomia constitucional dos municípios», «interferindo com a esfera decisória alheia integrante dos interesses ou atribuições que lhes são constitucionalmente confiados e que incorporam a respetiva esfera patrimonial» (cfr. os pontos 52, 59 e 68 do pedido). Neste contexto, são igualmente contestadas a norma prevista no artigo 1.º, n.º 2 (por meio da qual se constitui a sociedade Águas do Centro Litoral e se lhe atribui a concessão da exploração e da gestão do sistema multimunicipal do Centro Litoral de Portugal), as normas dos artigos 6.º, 7.º e 8.º (que respeitam, respetivamente, ao “capital social”, “ações e dividendos”, e “estatutos da sociedade”), o Anexo (que contém os estatutos da sociedade, que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 8.º, fazem parte integrante do Decreto-Lei n.º 92/2015), e as normas dos artigos 30.º e 31.º 29. Desde logo, importa salientar que os direitos sobre participações sociais são abrangidos pela garantia constitucional da propriedade privada, de acordo com jurisprudência constante e uniforme deste Tribu- nal. Neste sentido, pode-se ler no Acórdão n.º 491/02 (cfr. ainda, entre outros, os Acórdãos n. os 391/02 e 157/03) o seguinte: «Quanto ao objeto da garantia constitucional da propriedade privada, conforme se decidiu no Acórdão n.º 257/92, de 13 de julho (in Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], 22.º Vol., 1992, p. 753), o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição garante, “tanto o direito de propriedade – a propriedade stricto sensu e qualquer outro direito patrimonial – como o direito à propriedade, ou direito de acesso a uma propriedade”». «Resulta, assim, claro que o direito de propriedade a que se refere aquele artigo da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que nor- malmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designadamente, os direitos de crédito e os “direitos sociais” – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades (na doutrina, no sentido de que o conceito constitucional de propriedade tem de ser equivalente a património, cfr. Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra, 1998, pp. 548 e 559)». 30. Posto isto, há que determinar em que medida os direitos em causa, estando abrangidos pelo âmbito de proteção do artigo 62.º, n.º 1, podem ser restringidos. Essa possibilidade está expressamente prevista no n.º 2 do artigo 62.º, para os casos de requisição ou de expropriação por utilidade pública. No entanto, como já disse repetidas vezes este Tribunal (cfr., nomeadamente, o Acórdão n.º 491/02 e a jurisprudência constitucional aí citada), estes não são os únicos atos ablativos do direito de propriedade privada admitidos pela Constituição. Na verdade, segundo o artigo 62.º, n.º 1, o direito à propriedade privada é garantido “nos termos da Constituição”. Esta fórmula obsta a uma consideração isolada do preceito em que está inserida (neste sen- tido, pronunciou-se já este Tribunal, v. g. , nos Acórdãos n. os 404/87 e 194/99), impondo a sua articulação com outras normas constitucionais que estabelecem limites e restrições ao direito de propriedade, nomeada- mente ao nível da constituição económica (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 801 e seguintes), mas não só.
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