TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL permitindo, em última análise, a reunião das condições necessárias para a desejável prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência» (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 92/2013). No entanto, é o Decreto-Lei n.º 92/2015 que procede, ele próprio, à reorganização dos sistemas mul- timunicipais abrangidos no seu âmbito de aplicação, com tudo o que isso implica, à luz da nova política definida pelo Governo para o setor. Nesta medida, tal diploma não se limita a extinguir a sociedade Águas do Mondego, dispondo igualmente sobre muitas outras matérias, relativas à agregação dos sistemas mul- timunicipais, aos contratos de concessão e à criação de uma nova sociedade concessionária (a sociedade Águas do Centro Litoral), que sucede às sociedades extintas. Não se deve perspetivar estas matérias de forma isolada, mas como partes integrantes de uma política conjunta e que se relacionam umas com as outras. O Decreto-Lei n.º 172/2004 é, aliás, revogado expressamente na sua globalidade [cfr. o artigo 34.º, alínea c) , do Decreto-Lei n.º 92/2015]. Ora, o Governo possui, ao abrigo da competência legislativa genérica que lhe é atribuída pelo artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, o poder de alterar as políticas preexistentes e vertidas em decretos- -leis. As diferentes conceções sobre a melhor forma de prosseguir o interesse geral não têm, certamente, de ficar cristalizadas, podendo ser revistas ao longo do tempo. O Primeiro-Ministro, na sua pronúncia, chega mesmo a defender que, à luz do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, só através de decreto-lei se poderia proceder à «modificação de estatutos aprovados por decreto-lei» ou à «extinção, fusão ou cisão de empresas criadas por decreto-lei» (cfr. o artigo 66.º da pronúncia). É de notar, contudo, que em causa não está a criação de uma qualquer entidade, mas sim de uma socie- dade comercial, a cuja natureza é inerente, no que respeita às vicissitudes posteriores à sua constituição, um certo grau de autonomia decisória, a exercer nos termos da lei comercial. Independentemente da solução a dar a esta controvérsia, porém, e ainda que não se considere que a extinção de uma sociedade comercial criada por decreto-lei só possa ser efetuada através de ato legislativo, a verdade é que a exclusão – sem prejuízo da aplicação, no caso, de outros princípios constitucionais – da possibilidade de tal extinção ser efetuada através da revogação do decreto-lei de criação não seria compatível com o disposto no artigo 112.º, n.º 5. 27. Sustam os requerentes que a atuação do Governo, além de ser «passível de lesar gravemente o sistema jurídico na sua globalidade», por se desenrolar «fora do quadro axiológico de um Estado de direito constitu- cional baseado numa economia social de mercado», violaria as expectativas e direitos não só dos municípios acionistas da sociedade Águas do Mondego, como também os da própria sociedade comercial. Porém, a norma que procede à extinção da sociedade Águas do Mondego não viola o princípio da segu- rança jurídica, alegadamente afetado, de acordo com a primeira destas alegações. Como já se pôs em relevo, a sociedade em questão foi criada através de decreto-lei, no âmbito de uma determinada política relativa aos setores do abastecimento de água e do saneamento. Com a sua criação, visou-se, naturalmente, prosseguir o interesse público. É no contexto da reformulação dessa política e da reforma legislativa que lhe está associada que, por sua vez, se procede à extinção da sociedade. A opção pela forma de decreto-lei em detrimento da prevista na lei comercial não pode, por conseguinte, ser considerada arbitrária, nem se pode falar, perante reestruturação dos setores referidos, de índole estrutural-institucional, de lesão de um investimento de con- fiança dos titulares de participações sociais “na atuação contratual do Estado sujeita ao Direito Privado” e com referência a sociedade concessionária. Tendo em conta, além do mais, que a sociedade em questão é uma empresa pública, pertencente ao setor empresarial do Estado, e que o acesso de entidades privadas às atividades que desenvolve é fortemente restrin- gido, só sendo possível através de concessão ou, desde a entrada em vigor da Lei n.º 35/2013, de 11 de junho, de subconcessão (cfr. a Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, na sua redação inicial e na que lhe foi dada pela Lei n.º 35/2013, de 11 de junho), é manifesto que a sua extinção, através de decreto-lei, não se desenrola «fora do quadro axiológico de um Estado de direito constitucional baseado numa economia social de mercado».
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