TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
73 acórdão n.º 707/17 competente para deliberar sobre a dissolução (ou fusão) da sociedade Águas do Mondego é a assembleia geral da sociedade. A deliberação em causa deverá ser aprovada por dois terços dos votos emitidos (cfr. o artigo 386.º, n.º 3). O Estado, através da Águas de Portugal, SGPS, S. A. (doravante Águas de Portugal), detém apenas 51% do capital social com direito a voto, sendo o restante detido pelos municípios (cfr. o artigo 5.º, n.º 1, dos estatutos da sociedade, anexos ao Decreto-Lei n.º 172/2004 e dele fazendo parte integrante, segundo o artigo 3.º, n.º 2, do diploma). Deste modo, para aprovar a deliberação de extinção da sociedade, a Águas de Portugal teria tido necessidade de obter o voto favorável de pelo menos alguns dos municípios acionistas. Independentemente desta circunstância, porém, é incontestável que, tendo o Governo optado por extinguir a sociedade Águas do Mondego por decreto-lei, e não através de uma deliberação da assembleia geral da sociedade, não atuou em conformidade com o disposto no Código das Sociedades Comerciais. Importa saber se teria de o fazer. É claro que os atos legislativos que aprovaram e sucessivamente alteraram o Código das Sociedades Comer- ciais não constituem leis de valor reforçado, na aceção do artigo 112.º, n.º 3, da Constituição. Nessa medida, o seu nível hierárquico não impõe que decretos-leis posteriores se conformem com as suas normas. Os requeren- tes, aliás, não contestam este entendimento. Alegam, isso sim, que o Governo utilizou indevidamente o poder de emitir decretos-leis, precisamente com o intuito de beneficiar da força de lei de que estes gozam. Neste contexto, apenas está em causa o diploma legislativo que procede à extinção da sociedade Águas do Mondego, já que, como vimos, a possibilidade de constituição de sociedades comerciais através de decreto-lei é aceite pelos requerentes. Trata-se, de facto, de uma prática comum no ordenamento jurídico português. A razão para tal decorre, por um lado, da titularidade simultânea, por parte do Governo, de poderes legislativos e administrativos, e, por outro, da inexistência, na Constituição, de um conceito material de ato legislativo que limite, sem mais ( i. e. , independentemente do que outras normas ou princípios constitucionais – como, por exemplo, a relativa ao princípio da igualdade – possam, no caso, ditar), as opções do Governo a este nível (neste sentido, cfr. Paulo Otero, “Da Criação de Sociedades Comerciais por Decreto-Lei”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura , Vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 116 e seguintes). Ora, não há dúvidas de que o Estado, ao constituir uma sociedade comercial, formaliza a intenção de pautar a sua atuação pelos ditames da lei comercial. No presente caso, tal vinculação consta, aliás, explici- tamente do decreto de criação da sociedade em causa – cfr. o já referido artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172/2004. No entanto, não se pode desconsiderar a natureza legislativa desse ato de criação. Um decreto-lei plasma certas opções do Governo, quanto à melhor forma de prosseguir o interesse geral. Ao constituir uma empresa pública, integrante do setor empresarial do Estado (cfr. o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro), o Governo visa, naturalmente, prosseguir certas finalidades, e cabe-lhe a si definir o melhor meio de o fazer. Nestes termos, possui inteira legitimidade para, através de um decreto-lei, vincular a enti- dade em causa à lei comercial. Trata-se de uma opção legislativa. O mesmo pode ser dito, contudo, da opção, contida no Decreto-Lei n.º 92/2015, de proceder à extin- ção da sociedade em questão. Trata-se de uma opção legislativa que vem anular a primeira e que, aliás, se insere num contexto mais alargado, de implementação e concretização de uma política relativa ao abasteci- mento de água e ao saneamento. A redefinição da política do Governo no domínio em causa consta, é certo, nos seus traços gerais, do Decreto-Lei n.º 92/2013. É aí que, num primeiro plano, se estabeleceu «a possibilidade de serem criados sistemas multimunicipais em resultado da agregação de outros sistemas já existentes, com a consequente extinção das concessões em curso e a atribuição de novas, por referência a um novo prazo». É também aí que se estabelece o objetivo de «contribuir para a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas multimuni- cipais, através da obtenção das economias de escala geradas por sistemas de maior dimensão, e, além do mais, para a redução das desigualdades entre as diversas regiões do País, fomentando a convergência tarifária e
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