TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL I. Extinção da sociedade Águas do Mondego (artigos 1.º, n.º 2, 4.º, 6.º, 8.º, 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 92/2015) 26. Além das normas que se prendem com a agregação dos sistemas multimunicipais em questão e que foram supra apreciadas, os requerentes contestam igualmente um conjunto de normas relativas à extinção da sociedade Águas do Mondego, por via do que consideram ser uma “extinção e reconfiguração das suas parti- cipações sociais à força numa outra sociedade sem um valor equivalente”, lesando os direitos dos municípios acionistas (cfr. ponto 103 do pedido). Assim, os requerentes começam por contestar a legitimidade constitucional da extinção operada pelo artigo 4.º, porquanto, afirmam, tal decisão apenas caberia à assembleia geral da sociedade e não poderia revestir a forma de decreto-lei. O mesmo não acontece, aparentemente, relativamente a possibilidade de, em geral, sociedades comer- ciais serem criadas, modificadas ou extintas por decreto-lei. Os requerentes admitem-no expressamente e asseguram mesmo que «o nosso Direito é rico em situações desse tipo» (cfr. o ponto 61 do pedido). Afirmam, aliás, que a criação da sociedade Águas do Mondego «obteve para o efeito a prévia anuência dos vários muni- cípios participantes na sociedade» e que se trata de «um ato constitutivo de direitos: dos direitos dessa mesma sociedade e dos direitos dos seus acionistas» (cfr. os pontos 28 e 29). Com efeito, resulta da argumentação apresentada que apenas a criação não é posta em causa, negando- -se a legitimidade constitucional da modificação ou extinção de sociedades comerciais, assim criadas, por decreto-lei. Neste sentido, afirmam os requerentes que «[a] possibilidade reconhecida pela ordem jurídica de serem criadas sociedades pluripessoais de capitais públicos, por via de decreto-lei, não pode ser usada para proceder à sua extinção em violação das regras estatutárias e das normas legais disciplinadoras da maioria qualificada para a dissolução de tais sociedades – se assim for feito, num gesto de fraude à lei e aos estatutos, atendendo à força de lei de que gozam os decretos-leis, há uma utilização indevida deste ato legislativo» (cfr. o ponto 46 do pedido). A ser assim, – prosseguem – estaríamos «diante de um ato de autoridade do Governo que se revela fora do quadro axiológico de um Estado de direito constitucional baseado numa economia social de mercado» e «passível de lesar gravemente o sistema jurídico na sua globalidade» (cfr. o ponto 48). «[T]al desadequação teleológica do diploma (…) consubstancia uma situação de inconstitucionalidade fina- lística» e o decreto-lei violaria, assim, os «princípios da proibição do arbítrio, da boa fé, da segurança jurídica e da tutela da confiança na atuação contratual [do] Estado sujeita ao Direito Privado» (cfr. os pontos 49 e 50). Recorde-se que, ao abrigo do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2015, a sociedade Águas do Mondego, bem como as sociedades SIMRIA – Saneamento Integrado dos Municípios da Ria, S. A., e SIMLIS – Saneamento Integrado dos Municípios do Lis, S. A., «são extintas sem necessidade de liquidação» (cfr. o n.º 3). O património global destas é transferido para a sociedade Águas do Centro Litoral, S. A. (cfr. o n.º 2), constituída por efeito do n.º 1. Esta sociedade sucede igualmente em todos os direitos e obrigações das sociedades concessionárias extintas (cfr. o n.º 3). Por fim, de acordo com o disposto no n.º 4, «[a] consti- tuição da sociedade e a extinção das concessionárias dos sistemas extintos, bem como a sucessão legal deter- minada nos números anteriores não carecem de qualquer formalidade e são plenamente eficazes e oponíveis a terceiros, adquirindo a sociedade personalidade jurídica e existindo como tal a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei independentemente do registo». A sociedade Águas do Mondego foi constituída, como vimos, pelo Decreto-Lei n.º 172/2004, de 17 de julho, que, do mesmo passo, lhe adjudicou, em regime de concessão, o exclusivo da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Baixo Mondego-Bairrada, criado pelo mesmo diploma (cfr. os artigos 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1). Ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, «[a] sociedade rege-se pelo presente diploma, pelos seus estatutos e pela lei comercial». A lei comercial e, mais especificamente, os artigos 464.º, n.º 1, e 383.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, e por último alterado – sem conse- quências ao nível da questão que nos ocupa – pela Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro) dispõem que o órgão

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