TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

700 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de cognição do tribunal, a partir da interpretação feita do artigo 380.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, consubstan- cia uma violação dos direitos de defesa do arguido, impedido de fazer valer, perante as instâncias, as garantias perante a sua condenação numa pena de prisão, in casu , decorrentes da própria moldura penal dos crimes em concurso tal como definida pelo legislador, afastando-se das exigências de um processo equitativo. É certo que a correção (e a justeza dela derivada) das decisões judiciais, sobretudo em matéria criminal, pese embora deva ser prosseguida em qualquer situação, não é sempre alcançada e, por vezes, não é alcan- çável, em face da multiplicidade das contingências fácticas e processuais que possam verificar-se na justiça de cada caso. É também certo que as garantias constitucionais do sistema processual (mesmo o penal) não impõem, sempre e em qualquer caso, a obrigatoriedade de reapreciação ou revisão das decisões judiciais, compaginando-se aquelas garantias, designadamente, com os objetivos, também constitucionalmente esta- belecidos, de celeridade processual, de procura da verdade material ou de certeza e segurança das decisões judiciais, acolhendo-se, mesmo, o princípio da intangibilidade dessas decisões, como ocorre com o respeito pelo caso julgado. Assim sendo, as garantias de defesa dos arguidos, decorrentes dos artigos 20.º e 32.º da Constituição, não assumem um carácter absoluto, que impeça a sua compressão, por via da emergência e ponderação de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, nos termos previstos no seu artigo 18.º Todavia, as possíveis razões que poderiam determinar a limitação daqueles direitos na situação dos autos não se mostram suficientes ou mesmo adequadas para justificar o entendimento restritivo levado a cabo pelo tribunal a quo quanto aos limites dos respetivos poderes de cognição. As razões de celeridade processual – evitando-se a excessiva demora na definição da situação do arguido, pelo menos quanto à pena aplicável – não se revelam determinantes, in casu . O mesmo se diga do princípio da verdade material, que em nada informa a decisão judicial recorrida.  Por outro lado, o princípio do respeito pelo caso julgado, não assume na situação dos autos um peso superior ao dos interesses do arguido em presença. Desde logo, porque não ocorreu o trânsito em julgado das decisões judiciais indicadas como ora recorridas; depois, porque o próprio sistema de determinação da pena adotado em caso de concurso de crimes, especialmente quanto aos casos de conhecimento superveniente de crimes em concurso (artigo 78.º do Código Penal), faz prevalecer claramente o direito penal material sobre o direito penal processual. Se o princípio do caso julgado obsta a que possa ser objeto de reavaliação ou repon- deração judicial a decisão, transitada em julgado, que condenou o arguido numa determinada pena, pela prática de um crime, certo é que as decisões judiciais que operam o cúmulo jurídico cedem face ao conheci- mento superveniente de infrações em concurso, determinando a reformulação do cúmulo. Neste sentido a própria jurisprudência do STJ, no acórdão de 28 de novembro de 2012 (processo 21/06.OGCVFX-A.S1), referindo-se ao cúmulo superveniente, em que se afirma que o caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus : «A posterioridade do conhecimento «do concurso», que é a circunstância que introduz as dúvidas, não pode ter a virtualidade de modificar a natureza dos pressupostos da pena única, que são de ordem substancial. O conheci- mento posterior (art. 78.º, n.º 1, do CP) apenas define o momento de apreciação, processual e contingente. A superveniência do conhecimento não pode, no âmbito material, produzir uma decisão que não pudesse ter sido proferida no momento da primeira apreciação da responsabilidade penal do agente (cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 293-294). Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão pro- ferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso deve sê-lo nos mesmos termos e com os mes- mos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projecta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser tra- zido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime.»

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