TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
698 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na presente análise: o juízo de não inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 89/07 quanto ao artigo 380.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, com o sentido de que apenas habilita a correção de erros que não implicam uma alteração do sentido da decisão, é determinado pela existência, naquele caso, de «outro meio de impug- nação adequado, eficaz e suficiente para fazer apreciar a pretensão da alteração do decidido». Ora, na situação dos autos não se mostra disponibilizado um outro meio alternativo – «adequado, eficaz e suficiente» – para se lograr que à correção do lapso, a que o STJ acedeu, seja conferida sequência na decisão determinada pelo elemento objetivo erroneamente considerado. Atuando em última instância, da decisão do STJ já não cabe recurso, mostrando-se também indeferida a reclamação contra aquela deduzida (no acórdão do STJ de 12 de maio de 2016) com o argumento de esgotamento do respetivo poder jurisdicional. Tanto bastaria para não se proceder à transposição, para os presentes autos, do juízo de não inconstitu- cionalidade proferido no supra citado Acórdão n.º 89/07. 16. Vejamos, assim, o caso vertente, procedendo ao confronto da dimensão normativa sindicada com os parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente. Invoca desde logo o recorrente a violação das garantias de defesa decorrentes dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Na verdade, a determinação, em concreto, da medida da pena, por via da operação de cúmulo jurídico das penas parcelares reportadas a cada uma das infrações criminais, constitui um elemento decisivo para o arguido, tratando-se, para mais, de penas privativas da liberdade pessoal, cujos fundamentos e limites se encontram na Constituição (em especial nos artigos 29.º e 18.º, n.º 2, da CRP). Assim sendo, as garantias jurídico-constitucionais de defesa da posição do arguido perante as instâncias judiciais, sejam as decorrentes do direito de acesso ao direito e a um processo equitativo constante do artigo 20.º da Constituição, sejam as especificamente vocacionadas para a tutela dos arguidos em processo penal consagradas no artigo 32.º, também da Constituição, não podem deixar de estar presentes na ponderação da conformidade constitucional do entendimento normativo adotado e aplicado no acórdão do STJ de 14 de abril de 2016, nos termos do qual os seus poderes de cognição se mostravam esgotados com a retificação de um erro – pelo mesmo tribunal assumido – de datação da prática de um crime, mas apenas ao nível da redação do texto do acórdão então reclamado, indeferindo o pedido de reformulação da decisão de cúmulo jurídico das penas viciada por aquele erro, por tal não se mostrar consentido pelo disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Penal. A Constituição garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos» e o «direito a um processo equitativo» (artigo 20.º, n. os 1 e 4), afirmando, em matéria penal, que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» (artigo 32.º, n.º 1). Sobre o sentido e alcance do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32.º, p. 516): «A fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. Em «todas as garantias de defesa» engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode portanto ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma: a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível.»
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