TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

696 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL os princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade (vide, neste sentido, Figueiredo Dias, na ob. cit. , pág. 279-280). Concluindo, o sistema de acumulação material foi preterido pelo sistema de pena única pelo legislador penal em matéria de concurso de crimes por imposição dos princípios constitucionais da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.» Foi este sistema de cúmulo jurídico o adotado pelas instâncias no caso vertente. Para o efeito da delimitação temporal das várias condenações a englobar na operação de cúmulo, foi tida por referência a data em que ocorreu o primeiro trânsito em julgado de uma das decisões condenatórias do arguido (proferida no processo 354/10.0GEVNG), ou seja, o dia 7 de setembro de 2011, numa interpre- tação dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal que se mostra relativamente consensualizada – vindo, aliás, a corresponder à jurisprudência uniformizada do STJ entretanto exarada no Acórdão de Fixação de Jurispru- dência n.º 9/2016 (publicado no Diário da República n.º 111, I Série, de 9 de junho de 2016). Também da jurisprudência constitucional resulta não haver razão jurídico-constitucional para censurar a regra em causa. Assim, no Acórdão n.º 212/02: «Consequentemente, apenas está em causa apreciar neste processo a interpretação normativa do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal nos termos da qual se considera como momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória – com a consequência de que a prática de novos crimes, posteriormente ao trânsito de uma determinada condenação, dará origem à aplicação de penas autonomizadas. Ora, como bem sublinha o Ministério Público nas suas contra-alegações, a exigência formulada pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal como condição para a unificação das penas correspondentes aos crimes em concurso – isto é, a exigência de que a prática de um outro crime tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da decisão condenatória pelo primeiro crime – não pode entender-se como mera condição formal, antes revela um substancial sentido ético, ligado ao princípio da culpa, que deve relacionar-se com as dificuldades de reinserção do arguido, anteriormente condenado. A condição estabelecida no preceito em análise não se afigura como desrazoável ou injustificada, pois, como ficou dito, assenta num fundamento material bastante e tem uma justificação racional: designadamente, o regime contido na norma impugnada assenta no princípio da culpa e justifica-se pelas especiais dificuldades de ressocia- lização nos casos em que um arguido a quem tenha sido aplicada uma sanção penal demonstre, pela sua actuação posterior – pela prática de novos crimes –, que não conforma o seu comportamento em função das exigências do direito penal.» 14. No caso dos autos, a ocorrência de um lapso na identificação da data da prática dos factos constantes de um dos processos em concurso determinou a exclusão da respetiva pena do cúmulo jurídico, não obstante o crime ter sido praticado em momento anterior à data tida por decisiva para a fixação do cúmulo. Ora, tal circunstância teve consequências relevantes na determinação da medida da pena aplicável ao arguido. Deixando a pena de três anos de prisão de se incluir na operação de cúmulo em causa (e mesmo tendo sido reduzida, in casu , a medida da pena única), não apenas a pena única aplicada pela instância de recurso não reflete a respetiva consideração no cálculo dos limites mínimos e máximos da moldura penal estabelecida pelo legislador no artigo 77.º do Código Penal, como a mesma pena de prisão passa a ser materialmente cumulada com a pena única estabelecida, a cumprir sucessivamente, o que não pode deixar de ser tido como uma consequência desfavorável para o arguido condenado. Por outro lado, o erro sobre a data em causa apenas ocorre na instância (máxima) de recurso. Isto, já que, mesmo verificando-se ocorrer um erro de escrita na decisão da 1.ª instância (facto que induziria o Tribunal superior em erro quanto à mesma data), o mesmo erro, na economia da primeira decisão sobre o cúmulo jurídico das penas em concurso, não determinou o juízo decisório ali proferido, que teve em conta

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