TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
695 acórdão n.º 851/17 O sistema legalmente vigente entre nós é o da pena conjunta, de acordo com o princípio da exasperação ou agravação: a pena aplicável ao concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapas- sar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal. Excepção a esta regra é a ocorrência de concurso de pena de prisão e com pena de multa, em que se segue o sistema da acumulação material – artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal.» A escolha do legislador português para o efeito de determinação da medida da pena criminal em caso de concurso de infrações – traduzida no regime normativo contido nos transcritos artigos 77.º e 78.º do Código Penal – mostra-se fundada em boas razões. Sobre as mesmas escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitu- cional n.º 336/08 (em jurisprudência que seria retomada no mais recente Acórdão n.º 252/16): «O problema dos limites das penas coloca-se também quando é necessário punir o agente pela prática de uma pluralidade de infrações. Os aludidos princípios constitucionais da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade ganham especial rele- vância em caso de concurso de crimes, em especial na determinação do sistema punitivo mais conveniente para o tratamento do concurso de infrações, uma vez que existem vários sistemas à disposição do legislador (vide Eduardo Correia, em “Direito Criminal”, II, pág. 211-215, reimpressão de 1996, da Almedina, e Figueiredo Dias, na ob. cit. , pág. 279 e seg.). Importa, especialmente, confrontar o sistema da acumulação material com o sistema da pena unitária, na medida em que correspondem àqueles que foram apreciados na decisão recorrida por constarem, respectivamente, da norma afastada e da norma aplicada. Segundo o sistema da acumulação material são de aplicar na sentença tantas penas quantas as que correspon- dem aos delitos concorrentes, ou uma pena única, correspondendo à soma aritmética das diversas penas. De acordo com o sistema da pena unitária, a soma das penas dos crimes concorrentes é reduzida juridicamente a uma unidade que funciona como a moldura dentro da qual os factos e a personalidade do respectivo agente devem ser avaliados como um todo. O legislador penal português adoptou um sistema em que o agente é condenado numa pena única – em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – e a pena aplicável tem como limites máximo e mínimo, respectivamente, a soma das penas e a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que a pena de prisão não pode ultrapassar 25 anos e a pena de multa não pode ultrapassar 900 dias (artigo 77.º, do Código Penal). Qual o fundamento para se optar por uma pena unitária e não pelo cúmulo material das penas aplicadas a cada uma das infrações? Citando José de Faria Costa, dir-se-á que a razão “pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação da respectiva pena, ganhem uma gravidade exponencial (…) só o sistema do cúmulo jurídico é dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global (…) só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não se radica na sua personalidade, mas antes em factores exógenos (…) só assim é pos- sível chegar à pena justa (…) ou seja: através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada” (em “Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 136.º, julho-agosto de 2007, n.º 3945, pág. 326-327). Ao invés, dir-se-á que a solução da acumulação material de penas pode conduzir à aplicação de penas manifes- tamente excessivas ou desadequadas, ultrapassando o limite da culpa, nomeadamente porque não têm em conside- ração a evolução da personalidade do agente por referência aos factos globalmente praticados e porque comprome- tem a natureza das finalidades das penas, em especial a reintegração do agente na sociedade, com isso se violando
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