TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

69 acórdão n.º 707/17 De todo o modo, a previsão da faculdade de não ligação nunca poderia ser considerada uma “válvula de segurança constitucional”, como a denominam os requerentes. Tal faculdade deverá ser exercida por um membro do Governo e em nada colide com a autonomia do poder local, que, a ser afetada, o seria indepen- dentemente da previsão ou não do mecanismo em questão. Prescinde-se, em ambas as situações, de uma anuência por parte do município quanto à necessidade da ligação ao sistema. É certo, como afirmam os requerentes, que «[n]enhuma outra entidade pode agir em vez ou no lugar dos municípios superando a ausência de uma declaração de vontade do município» (cfr. o ponto 136 do pedido). Tal não sucede, porém, no que respeita à obrigação de ligação ao sistema multimunicipal. Esta obrigação tem fonte legislativa, não estando previsto que, em lugar do município, qualquer outra entidade – nomeadamente o Estado – se substitua àquele, suprindo uma putativa ausência de vontade de contratar. 22. Vejamos de seguida o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 92/2015, cuja inconstitucionalidade é igual- mente invocada pelos requerentes. De acordo com o disposto no n.º 1 deste preceito, «[o]s contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre os utilizadores e as sociedades concessionárias extintas mantêm-se em vigor, com a garantia de não agravamento dos valores mínimos neles previstos, até serem substituídos por novos contratos que procedam à sua adaptação às condições da nova concessão, considerando-se as menções aos contratos de concessão celebrados com as sociedades concessionárias extintas como efetuadas ao contrato de concessão celebrado com a sociedade». São estes contratos de fornecimento e de recolha que efetivam a ligação aos sistemas multimunicipais. A norma em questão estabelece que, enquanto não forem celebrados novos contratos, se mantêm em vigor os que tinham sido celebrados com as sociedades concessionárias extintas, entendendo-se as referências aí feitas àquelas sociedades como sendo feitas à sociedade Águas do Centro Litoral. Tal solução pretende evitar que exista um período em que os serviços de abastecimento de água e de saneamento sejam descontinua- dos – o que, face às necessidades das populações, seria inaceitável. Adota-se, desse modo, um mecanismo que consiste na transmissão da posição contratual das sociedades extintas para a nova sociedade. Além de se garantir o não agravamento dos valores mínimos previstos nos contratos celebrados com as sociedades extin- tas, estipula-se que tal solução seja provisória e que, entretanto, se celebrem novos contratos com a sociedade Águas do Centro Litoral, adaptados às novas condições. É de notar que a atividade prosseguida por esta sociedade é a mesma a que, no âmbito dos sistemas agregados pelo Decreto-Lei n.º 92/2015, se dedicavam as sociedades extintas. Dado que é admissível a exigência de ligação aos sistemas multimunicipais, quando estes tenham sido criados, a imposição aos municípios de um novo contratante, em substituição dos que, através do Decreto- -Lei n.º 92/2015, são extintos, não constitui, nos moldes em que é efetuada, uma interferência ilegítima do Estado na esfera autónoma de decisão que, constitucionalmente, é garantida ao poder local. Por último, não pode considerar-se que a circunstância de a obrigação de ligação ao sistema não abran- ger todos os municípios constitua uma violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição. Só é admissível a criação de sistemas multimunicipais quando exista um interesse nacional que justifique a intervenção do Estado. Ora, é, precisamente, ao Estado que cabe determinar em que situações esse interesse nacional se verifica, em função das necessidades de prestação de serviço público essencial, sendo certo que não existe nenhuma imposição constitucional de que todo o território nacional seja coberto por sistemas multimunicipais. Aliás, na resposta foram enunciados os critérios que suportaram a decidida abrangência: «entre os municípios abrangidos e não abrangidos por sistemas multimunicipais substanciais diferenças – por exemplo, ao nível da demografia e concentração populacional, da geografia e recursos do território ou da capacidade económica das autarquias – que justificam que, nuns casos, as tarefas de captação e tratamento de água para consumo público e de recolha e tratamento de efluentes tenham de ser desenvolvidas através de sistemas multimuni- cipais − por forma a garantir a eficácia e sustentabilidade da prestação desses serviços públicos essenciais – e,

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