TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ligação aos sistemas previstos no presente decreto-lei e, se for caso disso, a criação de condições para harmo- nização com os respetivos sistemas municipais». No n.º 3, está previsto que «[a] obrigatoriedade de ligação prevista no número anterior não se aplica quando razões ponderosas de interesse público o justifiquem, reco- nhecidas por despacho do membro do Governo responsável pela área do ambiente». E, por seu turno, o n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 92/2015 dispõe que «[a] ligação dos utilizadores ao sistema é obrigatória, bem como a celebração de contrato de fornecimento e recolha com a sociedade e, quando for caso disso, a criação de condições para harmonização com os respetivos sistemas municipais». Note-se que o artigo 16.º do diploma é igualmente contestado; não estabelece, porém, ele próprio nenhuma obrigação de ligação ao sistema, mas apenas uma consequência da violação dessa obrigação. A este respeito, alega o Primeiro-Ministro, na pronúncia efetuada ao abrigo do disposto no artigo 54.º da LTC, que a obrigatoriedade de ligação sempre esteve prevista na legislação aplicável e que, além do mais, os municípios já se encontravam ligados ao sistema – este, simplesmente, é agregado a outros (cfr. os artigos 228.º e seguintes da pronúncia). Ora, é certo que esta obrigação já existia antes da entrada em vigor dos Decretos-Leis n. os 92/2013 e 92/2015 (cfr., desde logo, o artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93) e que os municípios em questão já se encontravam ligados aos sistemas multimunicipais que são agregados uns aos outros. Mais decisivo – aponta-se – é que a mesma obrigação de ligação consta de outros diplomas ainda em vigor, aplicáveis aos sistemas multimunicipais abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 92/2015 e não impugnados pelos requentes (cfr. o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro, e o artigo 5.º do Decreto- -Lei n.º 162/96, de 4 de setembro, ambos alterados e republicados pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, de 20 de agosto). Nessa medida, as normas que se contêm nos artigos 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 92/2013, e no artigo 2.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 92/2015, não têm nenhum conteúdo inovatório, nem estabelecem nenhuma obrigação que não resultasse já de outras normas. Em qualquer caso, cumpre considerar que, à luz da garantia da autonomia local, é admissível a obriga- ção de ligação aos sistemas multimunicipais. A Constituição garante aos municípios, como vimos, liberdade decisória na prossecução das competências que lhes são atribuídas, nos termos estabelecidos na Constituição e na lei. Desta forma, não lhes pode, por exemplo, ser imposta a participação na sociedade concessionária. No entanto, essa liberdade decisória, além de respeitar apenas ao núcleo de competências municipais, é con- dicionada, naturalmente, pelas competências constitucionalmente atribuídas a outras entidades e, nomea- damente, ao Estado. Como se viu, é constitucionalmente admissível a criação e subsequente agregação de sistemas multimu- nicipais, da titularidade do Estado. Tal significa que os serviços em alta de abastecimento de água e de sanea- mento, nas situações em que foram criados sistemas multimunicipais, passaram a constituir uma atribuição do Estado e não dos municípios. Estes são, afinal, utilizadores dos sistemas multimunicipais. E, na verdade, não podem, em princípio, deixar de o ser. Se a captação de águas e o tratamento final dos resíduos passam a ser realizados, em exclusivo, ao nível do sistema multimunicipal, os municípios, que deverão proceder ao abastecimento e recolha junto dos utilizadores finais, não têm alternativa a ligar-se ao sistema. Ou melhor, a alternativa seria as atividades em causa manterem-se no âmbito municipal, o que desvirtuaria a criação de sis- temas multimunicipais, ou os municípios deixarem, voluntariamente, de prestar o serviço de abastecimento de água e de recolha de resíduos junto dos munícipes, o que seria, obviamente, inadmissível. Em consonância, a faculdade, prevista no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 92/2013, de, por razões ponderosas de interesse público, não se aplicar a obrigatoriedade de ligação ao sistema só faz sentido se for configurada como uma exceção à regra, dependente do reconhecimento de razões ponderosas de interesse público nesse sentido. É que, nos casos em que a ligação não for obrigatória, permite-se que as atividades de captação de água e de tratamento final dos resíduos não sejam exercidas no âmbito do sistema multimu- nicipal, mas sim por aqueles sujeitos que, em princípio, deveriam ser seus utilizadores. A admissibilidade generalizada desta possibilidade equivaleria a reconhecer, a jusante, a desnecessidade da criação do sistema multimunicipal e, portanto, a sua ilegitimidade constitucional. Admitindo-se a criação do sistema multimu- nicipal, mostra-se racionalmente necessária a imposição de ligação ao mesmo.

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