TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
678 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CPP –, colidiria com a possibilidade de reforma da decisão cível, entrando em violação do princípio da igualdade (art. 13.º CRP). 57. Com a reforma do processo civil levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, e con- forme se expõe no respectivo preâmbulo, o foco esteve «sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e no entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestigio e dignidade que a adminis- tração da justiça envolve, corrigir que perpetuar um erro insustentável» permitindo por isso «o suprimento do erro de julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor, … nos casos em que (…) dos autos constem elementos, designadamente de índole documental que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por manifesto lapso» (sublinhado nosso). 58. Foi precisamente a esta ideia que o STJ terá pretendido dar corpo, ao reformular o cúmulo da 1.ª instância. Contudo só o fez porque incorreu em lapso na datação dos crimes; e com isso acabou por prejudicar o arguido; 59. Agora, vem o STJ, no fundo, preferir perpetuar um erro insustentável, em claro prejuízo da paz social e do prestígio e dignidade da sua própria função. 60. Ainda no que toca à referida reforma (do CPC, não do CPP, bem o sabemos) foi alterado o art. 669.º, retocado depois pelos DL 180/96, de 25 de setembro e 303/07, de 24 de agosto, em cujo n.º 2, alínea b) se auto- rizava que, não cabendo recurso da decisão, qualquer das partes possa requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 61. É manifestamente este o caso dos autos. Como já foi manifestamente o caso da primeira decisão do STJ, que tomou para si a tarefa de reformular o cúmulo da 1.ª instância, com base nos meios de prova de que dispunha, em lugar de remeter o processo novamente à primeira instância. 62. Se na maioria das vezes, o erro não é susceptível de afectar a posição do recorrente, no presente caso é-o, já que implica a exclusão de uma das penas em que foi condenado, da pena única aplicada em cúmulo, acarretando diferenças a nível do (des)ligamento de processos, liquidação ou cômputo de penas, deferimento de liberdade condicional, etc. 63. Resulta pois totalmente desconsiderada nos autos a dimensão garantística do Processo Penal, com reper- cussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido e nos específicos modos de concretização das garantias de acesso e realização da justiça. 64. Ademais, a rectificação a que o tribunal ora mandou proceder, se não tiver quaisquer reflexos no conteúdo da decisão – i. e., na devida reformulação do cúmulo, por forma a voltar a abranger no seu perímetro, as penas que a 1.ª instância, bem (e, significativamente, sem reclamação ou recurso nessa parte) havia determinado – será uma decisão praticamente irrelevante e inconsequente na economia destes autos; redundará numa justiça no extremo da formalidade. 65. Resultam violados os arts. 20.º e 32.º, n.º 1 da CRP, por violação de um direito de defesa efectiva em pro- cesso penal, em detrimento de defesa meramente aparente, contra situações em que lapso de juiz provoca alteração, não solicitada, não antecipável e não expectável, à decisão de 1.ª instância – aliás, contra situações em que um juiz, por erro, alterou uma decisão materialmente correcta, e que, depois de confessado o erro, recusa repor o acerto material da decisão, optando por perpetuar um erro crasso. 66. Resulta ainda violado o princípio da igualdade (art. 13.º CRP), na medida em que a interpretação em questão admite que no limite sejam conferidas distintos âmbitos de protecção contra erros das decisões judiciais em matéria civil, consoante a mesma seja julgada autonomamente ou enxertada em processo penal [no processo civil admitir-se-á a reforma da decisão enquanto no processo penal não]; e igualmente na medida em que, em casos similares, o STJ admitiu que à rectificação de erros correspondesse a reforma da decisão penal – então, decla- ramente, “sob pena de inconstitucionalidade, por ofensa do direito ao recurso garantido pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.” 67. Assim, é inconstitucional o art. 380.º, al. b) do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que o tribunal de recurso não pode proceder à alteração do sentido da decisão de recurso por ele proferida, e que evidencia lapso seu na consideração das datas da prática de crimes, condenações e trânsitos em julgado, quando o
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