TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

677 acórdão n.º 851/17 «Na enumeração dos factos provados verifica-se existir lapso que importa corrigir, face a elementos que se contêm em certidão junta aos autos, que constitui documento autêntico com força probatória plena, nos termos dos artigos 363.º, n. os 1 e 2, 369.º e 371.º do Código Civil e 169.º do Código de Processo Penal, e a corrigir de acordo com o artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo CPP. Ao referir-se ao processo n.º 658/06.7PVLSB, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, o que acontece por duas vezes, uma relativa a cada arguido, foi dado por provado que “O acórdão, datado de 12 de outubro de 2007, transitou em julgado em 3 de novembro de 2010 (fls. 558 a 607)”. Trata-se de lapso manifesto, pois conforme resulta da certidão de fls. 558 a 607 do 3.º volume, sendo o acórdão de 12-10-2007, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que reduziu as penas aplicadas em acórdão de 16-10-2008 (fls. 587 a 607), o qual transitou em julgado em 03-11-2008, de acordo com certidão de fls. 558, embora esta se mostre deficiente por só referir o arguido AA (a falta de referência ao arguido BB poderá ter ficado a dever-se à circunstância de o arguido ter sido desligado de tal processo, con- forme fls. 525) e ainda com o 2.º boletim de registo criminal de fls. 808.» 49. Sobre o conceito de “modificação essencial”, escreveu Maia Gonçalves: «Esta modificação essencial afere- -se em relação ao que estava no pensamento do tribunal decidir, e não em relação ao que ficou escrito; por isso se incluem aqui os erros materiais ou de escrita. (…). Assim, se for manifesto, em face da fundamentação, que estava no pensamento do tribunal condenar em 3 anos de prisão, mas na sentença se escreveu 3 meses de prisão, será lícito corrigir à sentença, ao abrigo do n.º 1, al. b) ; não será, porém, lícito corrigir para coisa que não seja dizer que a condenação é em 3 anos de prisão». ( Código de Processo Penal Anotado, 12.ª Ed., Almedina, 2001, p.726. No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Ed., Universidade Católica Editora, 2008, pp. 968-969). 50. Se “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.” (157.º, n.º 6 NCPC), também os erros e omissões dos actos praticados pelos juízes não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. 51. As garantias de defesa do arguido impõem que exista protecção contra erros manifestos, iníquos e/ou arbitrários dos julgadores, em cuja produção o arguido não tenha estado envolvido, dos quais não pretenda retirar benefícios injustos ou imerecidos, ou com a invocação dos quais não pretenda entorpecer, retardar ou impedir a realização da justiça – e não se trata aqui, nitidamente, de, a pretexto de um qualquer “errozito”, o arguido vir a obter uma benesse mais ou mais substancial, ou uma “modificação essencial” (mas eventualmente injusta ou ime- recida) da decisão. 52. É inconstitucional a interpretação perfilhada no acórdão ora reclamado, no sentido da inaplicabilidade subsidiária das regras dos arts. 616.º e 617.º do NCPC (mormente do n.º 2 do art. 616.º do CPC) em matéria de reforma da sentença penal; 53. Inconstitucionalidade esta que radica na violação do art. 32.º, n.º 1 da CRP; 54. Violação essa que se traduz na denegação de defesa do arguido contra situações em que o manifesto lapso de juiz provoca uma alteração à decisão, não solicitada, não antecipável e não expectável, que prejudica direitos do arguido – neste caso, a ser punido com uma pena única nos casos de concurso de crimes, na qual sejam globalmente considerados os factos e a sua personalidade – e em que, mesmo após reconhecer o erro, o juiz não admite reformar a decisão em conformidade, por forma a consignar no seu total alcance, o relevo da correcção daquele erro. 55. O legislador penal não pode ter pretendido consagrar menores possibilidades de defesa do arguido contra erros (para mais manifestos) do juiz, do que as que qualquer parte tem em processo civil contra o mesmo tipo de erros… 56. Neste contexto não é difícil imaginar que, se o caso dissesse respeito a matéria cível enxertada no processo penal, por contraposição ao caso da mesma matéria cível ser julgada de forma autónoma do processo penal, a visão contida no acórdão ora reclamado, no sentido da impossibilidade de reforma da decisão penal – nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) do CPP, e face à alegada inaplicabilidade do art. 616.º, n.º 2 do CPC, por remissão do art. 4.º

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