TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
675 acórdão n.º 851/17 33. Esta decisão funda-se na interpretação (salvo o devido respeito, errada) segundo a qual em processo penal não é possível rectificar o conteúdo de uma decisão de recurso, mesmo quando o tribunal que a proferiu reconheça e mande rectificar a existência de erro seu e a si exclusivamente imputável ( v. g. por confessada falta de atenção) quanto a um pressuposto essencial dessa mesma decisão. 34. (…) funda-se ainda na consideração (salvo o devido respeito, errada), de que “a norma do n.º 2 daquele preceito [art.º 613, n.º 1, do CPC, aplicável por força do art.º 4.º do CPP], nomeadamente na parte referente à reforma da sentença, não tem aplicação no processo penal, por aí não haver lacuna sobre a matéria, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdãos de …” (cf. parte final de fls. 3 do acórdão em causa). 35. Aventa ainda: “A não admissibilidade da reforma da sentença no processo penal foi ainda decidida no acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 06/02/2014, no âmbito do processo 414/09.0PMAI-B.P1-A.S1” mas na verdade tal acórdão admite que “a al. b) do n.º 1 do art. 380.º deve ser interpretada no sentido de comportar a alteração do sentido da decisão em função da correcção do erro, sob pena de inconstitucionalidade, por ofensa do direito ao recurso garantido pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.” (subli- nhado nosso): 36. Tal decisão é frontalmente violadora das garantias de defesa do arguido em processo penal, designada- mente contra erros da iniciativa ou autoria dos Srs. Juízes de recurso, cometidos por sua falta de atenção na leitura das decisões recorridas – como foi confessadamente o caso. 37. Um parêntesis: se foi o próprio STJ que chamou a si a tarefa esforçada, e aliás louvável, de perscrutar os autos em ordem a preencher lacunas da decisão recorrida, suprindo uma nulidade, o arguido esperava e confiava que nessa tarefa o mesmo não acabasse por introduzir uma alteração substancial da decisão, em prejuízo dele. 38. …e muito menos poderia sequer suspeitar que, chegando-se posteriormente à conclusão que essa alteração substancial tinha sido induzida por erro do próprio STJ, ele não aceitasse corrigi-la, com fundamento em que não pode introduzir alterações substanciais numa decisão, que resultem de rectificações. 39. Ora, o que o STJ fez na sua primeira intervenção nestes autos foi o equivalente a uma reforma do acórdão recorrido. Algo que diz agora não poder ser feito. 40. Na verdade o Ac. citado pelo STJ para rejeitar a reforma [vide supra 34] prevê que (do sumário, realces nos- sos; acórdão consultado em www.dgsi.pt ; relator Manuel Braz; unanimidade; argumentação repetida no acórdão do STJ de 27/11/2014, Proc. 281/07.9GELLE.E1-A.S1, 5.ª Secção, relator Manuel Braz, unanimidade): III – No caso, verifica-se que o recurso foi apresentado em tempo, não podendo ser rejeitado por intempes- tividade, como foi. A correcção redunda, pois, numa modificação essencial, pelo que, à partida, não é comportada pelo texto do art. 380.º do CPP. Mas a decisão de rejeição do recurso com esse fundamento assenta numa informação errada veiculada pelo tribunal de onde procede este recurso. E a recorrente não teve oportunidade de, previamente à decisão determinada pelo erro, se defender das possíveis consequên- cias que deste podiam decorrer. Impedi-la agora de obter a correcção da decisão de rejeição significaria deixá-la sem defesa perante um erro para o qual em nada contribuiu e cuja existência não teve a menor possibilidade de invocar. IV – Em casos como este, em que está em causa um erro de facto respeitante a dados fornecidos ao tribunal decisivos para aquilatar da tempestividade de um recurso e relativamente ao qual o recorrente não teve oportunidade de se pronunciar, a al. b) do n.º 1 do art. 380.º deve ser interpretada no sentido de compor- tar a alteração do sentido da decisão em função da correcção do erro, sob pena de inconstitucionalidade, por ofensa do direito ao recurso garantido pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP. 41. Em termos de justiça material – de tratar de igual modo situações materialmente idênticas – não se vê como dispensar tratamentos distintos a casos de “informação errada veiculada pelo tribunal de onde procede este recurso” e casos em que é o próprio tribunal de recurso quem produz a informação errada. 42. O erro a final rectificado foi da autoria do próprio tribunal de recurso, por confessada falta de atenção na leitura da decisão da 1.ª instância, na qual,
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