TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

669 acórdão n.º 851/17 a obter uma benesse mais ou menos substancial, ou uma “modificação essencial” (mas eventualmente injusta ou imerecida) da decisão. 22.º É manifestamente inconstitucional a interpretação dada no acórdão ora reclamado ao art. 380.º, al. b) do CPP, no sentido de que no processo penal não é possível rectificar o conteúdo de uma decisão de recurso mesmo quando o tribunal que a proferiu reconheça e mande rectificar a existência de erro seu e a si exclusivamente imputável ( v. g. por confessada falta de atenção) quanto a um pressuposto essencial da mesma; 23.º Assim como é inconstitucional a interpretação perfilhada no acórdão ora reclamado, no sentido da inaplica- bilidade subsidiária das regras dos arts. 616.º e 617.º do NCPC (mormente do n.º 2 do art. 616.º do CPC) em matéria de reforma da sentença penal; 24.º Inconstitucionalidade esta que radica na violação do art. 32.º, n.º 1 da CRP; 25.º Violação essa que se traduz na denegação de defesa do arguido contra situações em que o manifesto lapso de juiz provoca uma alteração à decisão, não solicitada, não antecipável e não expectável, que prejudica direitos do arguido – neste caso, a ser punido com uma pena única nos casos de concurso de crimes, na qual sejam globalmente conside- rados os factos e a sua personalidade – e em que, mesmo após reconhecer o erro, o juiz não admite reformar a decisão em conformidade, por forma a consignar no seu total alcance, o relevo da correcção daquele erro. 26.º O legislador penal não pode ter pretendido consignar menores possibilidades de defesa do arguido contra erros (para mais manifestos) do juiz, do que as que qualquer parte tem em processo civil contra o mesmo tipo de erros … 27.º Neste contexto não é difícil imaginar que, se o caso dissesse respeito a matéria cível enxertada no processo penal, por contraposição ao caso da mesma matéria cível ser julgada de forma autónoma do processo penal, a visão contida no acórdão ora reclamado, no sentido da impossibilidade de reforma da decisão penal – nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) do CPP, e face à alegada inaplicabilidade do art. 616.º, n.º 2 do CPC, por remissão do art. 4.º CPP –, colidiria com a possibilidade de reforma da decisão cível, entrando em violação do princípio da igualdade (art. 13.º CRP). 28.º Resulta pois totalmente desconsiderada nos autos a dimensão garantística do Processo Penal, com repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido e nos específicos modos de concretização das garantias de acesso e realização da justiça. 29.º Ademais, a rectificação a que o tribunal ora mandou proceder, se não tiver quaisquer reflexos no conteúdo da decisão – i. e. , na devida reformulação do cúmulo, por forma a voltar a abranger no seu perímetro, as penas que a 1.ª instância, bem (e, significativamente, sem reclamação ou recurso nessa parte) havia determinado – será uma decisão praticamente irrelevante e inconsequente na economia destes autos.

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