TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

659 acórdão n.º 843/17 No caso em presença, é à primeira das referidas dimensões que parecem dirigir-se as reservas colocadas pelo tribunal recorrido à conformidade constitucional da solução normativa cuja aplicação foi recusada. Porém, na medida em que, de acordo com a própria norma cuja aplicação foi afastada, da decisão notarial proferida no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído aos bens imóveis a partilhar cabe – como efetivamente coube nos presentes autos – recurso para o tribunal, não se vê como poderá tal norma colidir com o princípio do acesso ao direito ou da tutela jurisdicional efetiva. As razões que permiti- ram excluir a incompatibilidade da solução impugnada com o princípio da reserva de jurisdição, consagrado no artigo 202.º da Constituição, são, assim, as mesmas que conduzem a concluir pela ausência de qualquer lesão constitucionalmente censurável do princípio do acesso ao direito, estabelecido no artigo 20.º da Lei Fundamental. O recurso deverá, pois, ser julgado procedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, em articulação com o artigo 489.º do CPC, de acordo com a qual, no âmbito da decisão do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada, o notá- rio pode proceder à livre apreciação da prova pericial nos casos em que tenha sido determinada a realização de mais do que uma perícia com o mesmo objeto e aquela decisão haja sido impugnada perante o tribunal de comarca, tendo este conhecido do mérito do recurso.   e, em consequência, b) Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público. Sem custas, por não serem legalmente devidas. Lisboa, 13 de dezembro de 2017. – Joana Fernandes Costa – Maria Clara Sottomayor – Gonçalo de Almeida Ribeiro (vencido quanto ao conhecimento do objeto do recurso)  – Maria José Rangel de Mes- quita  (com declaração que se anexa)  – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Sem prejuízo de acompanhar plenamente o sentido e a fundamentação da decisão quanto à questão de mérito, estou vencido quanto à questão prévia da admissibilidade do recurso. Segundo jurisprudência reiterada do Tribunal, constitui requisito do recurso de constitucionalidade a aplicação pelo tribunal recorrido, como  ratio decidendi , da norma sindicada pelo recorrente. Daí decorre o ónus do recorrente de enunciar corretamente, no requerimento de interpretação do recurso ou na resposta ao convite ao aperfeiçoamento, a norma aplicada na decisão recorrida. Ora, o enorme esforço feito, na parte do Acórdão relativa à «delimitação do objeto do recurso», para reformular a norma apreciada, nomeadamente através da inclusão de um pressuposto essencial – a impugnabilidade judicial da apreciação da prova pelo Notário –, revela, no meu entender, que o Tribunal dispensou o recorrente da observância de tal ónus. É verdade que o recurso foi interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea  a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e que tal recurso era obrigatório. Mas não vejo qualquer razão para que o Tribunal seja mais «liberal» da admissão de recursos obrigatórios do que nos restantes casos, ao ponto de eximir o Ministério Público de um ónus processual que é imposto aos demais recorrentes. Sendo certo que a não admissão do recurso constitui, nestes casos, um desvalor objetivo, tendo em conta que a jurisdição

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