TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sobre o atos pretéritos do processo –, há boas razões para duvidar de que a colocação sob reserva absoluta de jurisdição daquele ato final do procedimento de partilha constitua um mecanismo suficiente para assegurar a atribuição à jurisidictio da última palavra na dirimição, em todas as todas as suas dimensões – incluindo, no que aqui particularmente releva, a relativa à fixação do valor dos bens a partilhar – do dissídio subjacente à instauração do processo de inventário. Simplesmente, sucede também ter sido justamente esse elemento de incerteza quanto à revisibilidade judicial das decisões proferidas pelo notário no âmbito dos incidentes suscitados no processo de inventário que, no segmento da decisão recorrida em que teve por legalmente admissível o recurso interposto da deci- são que pôs termo ao incidente de impugnação do valor atribuído aos bens imóveis a partilhar, o tribunal recorrido afastou de forma expressa. De acordo com a solução normativa (ainda assim) recusada aplicar, a atribuição ao notário de compe- tência para dirimir o litígio relativo ao valor dos bens imóveis a partilhar – promovendo a produção de todos os meios de prova requeridos pelos interessados ou a que oficiosamente entenda dever haver lugar, valorando criticamente o seu resultado e fixando, com base nessa valoração, o quadro factual relevante para a decisão do incidente – surge acompanhada, não só a montante como também a jusante, da garantia do acesso à jurisdição: a montante no sentido em que, requerendo as partes a remessa para os meios comuns – pedido cujo indeferimento é impugnável perante o tribunal –, a este passará a caber tanto a primeira como a última palavra no solucionamento do conflito; e a jusante na medida em que, no caso de tal remessa não ter tido lugar, da decisão proferida pelo notário caberá recurso para o tribunal de comarca, sendo, portanto, através da intervenção de um juiz e com base no juízo de sindicância que autonomamente lhe cabe formular, que, em caso de persistência do conflito, o valor dos bens é em definitivo fixado. Na solução normativa cuja aplicação foi considerada incompatível com o princípio da reserva de juris- dição, consagrado no artigo 202.º da Constituição, vai, afinal, implicado um modelo que aponta para a intervenção de dois órgãos decisores de distinta natureza, que coexercem, dentro da esfera de intervenção respetiva, as funções materialmente jurisdicionais supostas pela composição dos interesses em litígio, através de um sistema que reserva ao órgão judicial, não apenas a primeira palavra na conformação definitiva da posição jurídica dos interessados, como também a última palavra na decisão do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada. Ora, é desde logo por pressupor a possibilidade de reexame por um tribunal da decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído aos bens imóveis constantes da relação apresentada que a norma recusada aplicar, apesar de atribuir a um órgão não jurisdicional competência para instruir e valorar a atividade probatória que deva anteceder tal decisão, não viola o princípio da reserva juris- dicional consagrado no artigo 202.º da Constituição da República. 22. De acordo com a argumentação invocada pelo tribunal a quo, também o princípio de acesso ao direito, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, se mostra violado pela norma recusada aplicar. Segundo a orientação desde há muito sufragada na jurisprudência deste Tribunal, pode dizer-se que o âmbito normativo do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, implicando naturalmente a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, se ancora em quatro diferentes dimensões: « (a) o direito de ação no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhe- cimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos pré-estabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercí- cio pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas» (cfr. Acórdão n.º 440/94).
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