TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

657 acórdão n.º 843/17 20. Tal como acima caracterizados, os fins prosseguidos através da atribuição a um órgão não jurisdicio- nal da competência para a prática de atos materialmente jurisdicionais no âmbito do processo de inventário cobram a sua razão de ser no propósito de racionalização do sistema judiciário, de modo a salvaguardar o seu eficaz funcionamento e, com isso, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição). Trata-se de uma finalidade que, para além de configurável no plano abstrato, surge aqui concretamente apoiada na constatação de que, sob o modelo de judicialização plena – ou da jurisdição quase plena, para que apontava a Lei n.º 29/2009 –, o processo de inventário tendia a ser particularmente moroso, prejudicando a tutela das legítimas expectativas dos interessados na partilha, bem como a pronta composição dos direitos em litígio.    Por isso, mesmo para quem sufrague uma visão menos favorável à relativização da reserva de jurisdição consagrada do artigo 202.º da Constituição – isto é, apenas admita a atribuição de funções materialmente jurisdicionais a órgãos não judiciais nos casos em que a preservação integral da  jurisdictio  envolva o sacrifício excessivo de outros interesses constitucionalmente protegidos (neste sentido, Jorge Miranda/ Rui Medei- ros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 30-31) –, as razões subjacentes à opção pelo modelo consagrado na Lei n.º 23/2013 continuarão a impor-se com suficiente evidência: por um lado, a tramitação judicial do processo de inventário tornava a sua pendência, em regra, comprovadamente excessiva, pondo em causa o direito à composição do litígio em prazo razoável; por outro, a versão mitigada do modelo de desjudicialização para que apontava a Lei n.º 29/2009, ao excluir a possibi- lidade de, no âmbito da respetiva intervenção, serem praticados pelo notário os atos materialmente jurisdi- cionais correspondentes à produção e valoração de outros meios de prova para além da prova documental, equivalia, na prática, a inviabilizar a decisão da generalidade das questões incidentais suscitadas no processo, tornando a remessa dos interessados para os meios comuns, não na exceção, mas na regra, com consequente frustração do propósito de racionalização do sistema subjacente à própria reforma. Numa formulação mais próxima do tipo de controlo para que remete o princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), pode, assim, concluir-se, que a opção de atribuir aos notários compe- tência para a prática de atos materialmente jurisdicionais no âmbito da tramitação do processo de inventário constitui, em face dos fins que através dela se prosseguem, uma medida tanto adequada quanto necessá- ria. Saber se tal opção é também proporcional ao ponto em que é por essa via colocado o princípio da reserva de jurisdição é questão que se prende diretamente com a suficiência dos termos em que o regime consagrado na Lei n.º 23/2013, tal como o interpretou o tribunal  a quo, reserva aos tribunais o monopólio da última palavra na resolução do conflito de interesses subjacente ao processo de inventário. 21.  Na averiguação da medida da reserva da  jurisdictio  assegurada pelo regime constante da Lei n.º 23/2013, há dois planos a que é necessário atender aqui. O primeiro diz respeito à colocação sob reserva absoluta de jurisdição da decisão homologatória da partilha. Tratando-se do ato final do processo, através do qual se põe termo à indivisão do acervo patrimonial, conjugal ou hereditário, a partilhar e é atribuída a cada interessado a titularidade exclusiva dos direitos sobre os bens com que foi composta a quota respetiva, poder-se-ia pensar que, uma vez reservada ao juiz a decisão homologatória da partilha, ficaria assegurado o monopólio da jurisdição relativamente à composição inte- gral e definitiva do litígio subjacente à instauração do processo de inventário. Sucede, porém, que a decisão homologatória da partilha – na qual culmina, conforme se viu, o processo de inventário – é precedida de um conjunto de outras, que definem parcelas do conflito em termos que se projetam, de forma direta e determinante, sobre o modo de efetivação da partilha dos bens que integram o património indiviso. Ora, não se encontrando expressamente prevista a possibilidade de, no âmbito da decisão homologatória da partilha, serem sindicadas pelo tribunal, tanto no plano fáctico como no plano do direito aplicável, as  decisões com que o notário pôs termo aos incidentes suscitados perante si – tudo aponta, ao invés, para que se considere tal faculdade excluída do tipo de controlo judicial naquele momento exercitável

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