TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
655 acórdão n.º 843/17 o litígio possa ser resolvido por intervenção de outros poderes, caso em que se poderá falar numa reserva relativa de jurisdição ou reserva de tribunal». 18. No plano analítico para que remete a norma sob sindicância, a ideia de que deverá partir-se é também a de que é, para além dos casos expressamente previstos na Constituição, o monopólio da jurisdic- tio tenderá a impor-se sempre que inexista qualquer razão suficientemente justificativa para atribuir a um órgão não jurisdicional a competência para a promover a resolução de um conflito de interesses num caso concreto. Inversamente, verificando-se existir um interesse constitucionalmente relevante na atribuição a um órgão não jurisdicional do exercício de uma atividade materialmente recondutível à jurisdição – tratar-se-á, as mais das vezes, do interesse público na realização da justiça através do asseguramento das condições para a obtenção de uma decisão em prazo razoável –, essa atribuição será, prima facie , constitucionalmente admis- sível fora do âmbito da reserva absoluta de jurisdição, desde que devida e eficazmente assegurada, por via de recurso, a intervenção de um tribunal. Independentemente do exato ponto onde deva traçar-se a linha que, em cada caso, separa o âmbito da reserva relativa ou parcial do domínio da reserva absoluta ou total de jurisdição, há uma conclusão que se torna desde já evidente: saber se e em que medida poderão certas entidades públicas não jurisdicionais ser chamadas a participar no processo de dizer o direito é problema cuja resposta, no domínio da defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos em que nos situamos (sem que em causa esteja a repressão da violação da legalidade democrática e/ou a dirimição de conflitos de interesses públicos e pri- vados), radica mais na natureza da posição jurídico-subjetiva a tutelar do que no específico recorte ou perfil do concreto ato a praticar. Este pode ser materialmente jurisdicional – e sê-lo-á, em regra, sempre que for praticado no âmbito do exercício de funções materialmente jurisdicionais –, sem que isso determine, por si só, qualquer violação do princípio da reserva de jurisdição. O que pode determinar a violação da reserva de juiz – e determiná-la-á sempre que nos encontrarmos perante litígios sob reserva absoluta de jurisdição – é a própria atribuição ao órgão não jurisdicional decisor da competência no exercício da qual tal concreto ato foi praticado. Serve isto para dizer que, do ponto de vista em que nos coloca o princípio da reserva de jurisdição, o percurso argumentativo aparentemente seguido pelo tribunal a quo carece de ser reformulado. E isto por- que, ou é constitucionalmente legítima a atribuição ao notário da competência para dirimir, também no plano probatório, o incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens constantes da relação que apresentou – caso em que não poderá deixar de lhe ser atribuída a faculdade de praticar os atos, materialmente jurisdicionais, supostos pelo esclarecimento dos factos e circunstâncias relevantes para tal decisão; ou a intervenção decisória de um órgão não jurisdicional na resolução daquele incidente representa uma ablação ilegítima da jurisdictio – hipótese em que nenhum ato probatório relativo à instrução do litígio, incluindo o que proceda da intervenção de peritos, poderá ser praticado e/ou valorado sem que ocorra a violação do princípio da reserva da jurisdição. Quer isto significar que o cabimento constitucional da norma cuja aplicação foi recusada não varia – isto é, não se torna nem mais evidente, nem mais questionável – pelo facto de em causa estar a apreciação de prova pericial determinada no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído a certos dos bens constantes da lista apresentada pelo cabeça-de-casal, precedida da realização, para aquele efeito, de mais do que uma perícia com o mesmo objeto. Assente que seja a viabilidade constitucional da atribuição a um órgão não jurisdicional – no caso, ao notário –, da faculdade de intervir decisoriamente no processo por via do qual qualquer interessado pode pôr termo a uma comunhão conjugal ou hereditária e, no aqui particularmente releva, de no respetivo âmbito dirimir os litígios que possam suscitar-se quanto ao valor atribuído a certos dos bens a partilhar, constitui inexorável condição de exequibilidade de qualquer regime que seja nesse pressuposto instituído que tal órgão possa promover a realização das diligências probatórias necessárias ao esclarecimento dos factos
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