TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
654 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O entendimento segundo o qual o conceito constitucional de função jurisdicional pressupõe a sua atri- buição aos tribunais, no «sentido jurídico-funcional» que lhes empresta o artigo 202.º da Constituição – isto é, no sentido inerente à « jurisdictio , como atividade do juiz materialmente caracterizada» (idem) –, é também o seguido na jurisprudência deste Tribunal. Conforme notado no Acórdão n.º 230/13, «o entendimento comum é o de que a Constituição pretendeu (…) instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional, em favor exclusivamente dos tribunais». O consenso em torno da existência de uma reserva de jurisdição é o mesmo que se verifica ocorrer no reconhecimento do seu carácter não absoluto – condição necessária para tornar constitucionalmente admis- sível o exercício de atividades materialmente reconduzíveis à jurisdição por órgãos não jurisdicionais. No Acórdão n.º 230/13, já referido, o Tribunal não apenas admitiu a possibilidade de delimitação do âmbito dessa reserva, como considerou tal possibilidade inteiramente em linha com a orientação prevale- cente na doutrina (cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 7.ª edição, pp. 668-670; J. C. Vieira de Andrade, “A reserva do juiz e a intervenção ministerial em matéria de fixação das indemnizações por nacionalizações”, in Scientia Ivridica, Tomo XLVII, n. os 274/276, julho/ dezembro, 1998, p. 224), no âmbito da qual vêm sendo identificados, ainda que com latitude variável, diferentes níveis ou graus de reserva de juiz, sobretudo a partir da distinção entre o “monopólio da última palavra” e o “monopólio da primeira palavra” ( Monopol des letzten Wortes e Monopol des ersten Wortes ). Vejamos mais de perto: «O “monopólio da última palavra” ou “monopólio dos tribunais” significa, em termos gerais, o direito de qualquer indivíduo a uma garantia de justiça, igual, efetiva e assegurada através de processo justo para defesa das suas posições jurídico-subjetivas. Esta garantia de justiça tanto pode ser reclamada em casos de lesão ou violação de direitos e interesses dos particulares por medidas e decisões de outros poderes e autoridades públicas (monopó- lio da última palavra contra atos do Estado) como em casos de litígios entre particulares e, por isso, carecidos de uma decisão definitiva e imparcial juridicamente vinculativa (monopólio da última palavra em litígios jurídico- -privados)» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional… cit., p. 668). Ao “monopólio da última palavra”, também designado por reserva relativa de jurisdição (cfr. J. C. Vieira de Andrade, A reserva do… , cit., p. 224), contrapõe-se o “monopólio da primeira palavra” ou reserva absoluta de jurisdição: «Diz-se que há um “monopólio da primeira palavra”, monopólio do juiz ou reserva absoluta de jurisdi- ção quando, em certos litígios, compete ao juiz não só a última e decisiva palavra mas também a primeira palavra referente à definição do direito aplicável a certas relações jurídicas. A “reserva de primeira palavra” está constitucionalmente prevista nos artigos 33.º, n.º 4, e 34.º, n.º 2, nos artigos 27.º, n.º 2, e 28.º, n.º 1, referente à privação da liberdade, e nos artigos 33.º, n.º 4, e 34.º, n.º 2, 36.º, n.º 6. 46.º, n.º 2, 113.º, n.º 7. Fora dos casos individualizados na Constituição, o reconhecimento do monopólio da primeira palavra tende a afirmar-se quando não existe qualquer razão ou fundamento material para a opção por um procedimento não judicial de decisão de litígios» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional… cit., p. 669). Assim perspetivada, a contraposição entre reserva absoluta e reserva relativa de jurisdição foi expressa- mente reconhecida no Acórdão n.º 230/13. Com efeito, escreveu-se aí o seguinte: «Fora dos casos individualizados na Constituição em que há lugar a uma reserva absoluta de jurisdição, o que sucederá não apenas em matéria penal mas sempre que estejam em causa direitos de particular importância jurídico-constitucional a cuja lesão deve corresponder uma efetiva proteção jurídica, poderá admitir-se que o direito de acesso aos tribunais seja assegurado apenas em via de recurso, permitindo-se que num momento inicial
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