TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

651 acórdão n.º 843/17 Embora a decisão homologatória da partilha traduza também o momento em que o juiz verifica a con- formidade dos atos praticados durante a fase notarial, bem como a legalidade e a regularidade do processo, a amplitude do controlo judicial efetivamente implicado em tal decisão, além de não resultar claramente da lei, está longe de ser inequívoca. A par dos que entendem que, apesar de não caber ao juiz o poder oficioso de introduzir as alterações ou modificações que entenda convenientes no mapa de partilha (ao contrário do que resultava do artigo 60.º da Lei n.º 29/2009), nenhum obstáculo se levanta a que enuncie os «atos que, em sede notarial, dev[a]m ser praticados» e/ou supra «as irregularidades que (…) detete, inclusive em questões incidentais e decisões interlocutórias até então proferidas, que se tenham refletido nas operações de partilha» (cfr. Carla Câmara/ Carlos Castelo Branco/ João Correia/ Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do… , cit., pp. 338 e seguintes; em igual sentido, Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, Manual do processo… , cit., p. 195), há também quem veja aqui um controlo meramente formal de legalidade, sem possibilidade de uma sindicância efetiva sobre a validade dos atos pretéritos praticados pelo notário (neste sentido, cfr. Filipe César Vilarinho Marques, “A homologação da partilha”,  Julgar , n.º 24, Coimbra, 2014, p. 155 e seguintes). Até pelos termos do descenso a que vimos de aludir, pode ter-se por relativamente certo que a decisão homologatória da partilha não comporta, pelo menos de forma evidente e segura, o reexame do ato de jul- gamento realizado pelo notário no âmbito de qualquer um dos incidentes cuja decisão lhe compete proferir, nem, consequentemente, do modo como por este foi levada a cabo a apreciação da prova – documental, testemunhal ou pericial – a cuja produção e/ou valoração tiver havido lugar com vista à fixação do qua- dro factual relevante para a dirimição daquela específica componente ou dimensão do litígio que constitui o objeto próprio de cada um dos incidentes processualmente admitidos no âmbito do processo de inventário de acordo com a tipificação constante da Lei n.º 23/2013. 15.  Segundo o juízo formulado pelo tribunal  a quo , a norma recusada aplicar – extraível, conforme se viu, do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, em articulação com o artigo 489.º do CPC, quando interpretados no sentido de que, no âmbito da decisão do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada, o notário pode proceder à livre apreciação da prova pericial, nos casos em que tenha sido determinada a realização de mais do que uma perícia com o mesmo objeto e aquela decisão haja sido impugnada perante o tribunal de comarca, tendo este conhecido do mérito do recurso – é contrária aos princípios do acesso ao direito e da reserva do juiz, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.º, n.º 4, e 202.º da Constituição. Principiando pela análise da alegada violação deste último princípio, importa recordar o conteúdo essencial da função jurisdicional e, bem assim, o que distingue essa função da função administrativa, aspetos desde há muito dilucidados na jurisprudência deste Tribunal. Assim, conforme pode ler-se no Acórdão n.º 963/96: «Ao cabo e ao resto, o quid specificum do ato jurisdicional reside em que ele não apenas pressupõe mas é neces- sariamente praticado para resolver uma questão de direito. Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objetivo ou na ofensa de um direito subjetivo), se atua, por força da lei, para se conseguir «questão de direito», então não estaremos perante um ato jurisdicional; estaremos, sim, perante um ato administrativo. Não é, pois, como muito bem o acentua DUGUIT, pelo lado dos efeitos que substancialmente se distinguem as duas espécies de atos jurídicos externos que no seu conjunto respetivamente constituem o exercício da função jurisdicional e da função administrativa. Pelo lado dos efeitos (declarativos, condenatórios, constitutivos ou execu- tivos), as duas funções equivalem-se ou identificam-se. A distinção entre elas é de ordem teleológico – objetiva. Em cada caso, há que proceder à interpretação da lei, para se concluir qual é a finalidade objetiva que, com o exercício de determinada competência legal, necessariamente se realiza».

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