TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
650 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o Tribunal da Relação, nos termos do CPC (cfr. n.º 3). De entre os atos da competência própria do juiz especificamente compreendidos na tramitação própria do processo de inventário, pode mencionar-se ainda a designação do cabeça-de-casal no caso de todas as pessoas referidas no artigo 2080.º do Código Civil se escusarem ou forem removidas (cfr. artigo 2083.º do Código Civil), bem como a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.º 7, e 66.º, n.º 1, do RJPI. A par destes atos, um conjunto de outros haverá que, por se projetarem para lá dos interesses privados em conflito, só por um tribunal poderão ser praticados – pense-se, por exemplo, no levantamento do sigilo bancário ou na dispensa de confidencialidade de certos dados, pre- tendidos apresentar como meio de prova. Em todos estes casos, é exclusivamente ao juiz que, ainda que por via incidental, caberá proferir decisão no âmbito do processo de inventário, que para esse efeito lhe deverá ser remetido (neste sentido, quanto ao sigilo bancário, cfr. Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, Manual do processo… , cit., p. 20). A par da competência para a prática de determinados atos do processo de inventário, o juiz tem ainda competência para sindicar as decisões proferidas pelo notário sempre que delas couber recurso para o Tribunal. Assim, de acordo com o RJPI, são impugnáveis perante o juiz a decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns (artigo 16.º, n.º 4), bem como o despacho determinativo da forma da partilha (artigo 57.º, n.º 4) sempre que as partes não tiverem sido remetidas para os meios comuns – se o tiverem sido, é ao juiz que caberá, a título próprio, proferir o despacho determinativo da forma da partilha (artigo 57.º, n.º 3). Para além das decisões expressamente referidas no RJPI, outras vêm sendo associadas ao elenco dos atos impugnáveis ali previsto, seja com base na interpretação extensiva ou na aplicação na aplicação analógica de certas das normas contidas naquele regime – é o caso das decisões do notário que julguem procedentes exce- ções que ponham fim ao inventário, como sucede com a ilegitimidade, litispendência, caso julgado, entre outras (neste sentido, cfr. Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, Manual do processo… , cit., p. 20) –, seja por via da consideração de preceitos oriundos de diplomas diversos, conforme ponderou o tribunal a quo . Como vimos, foi justamente com base no entendimento segundo o qual o elenco dos atos judicialmente impugnáveis, extraível do RJIP, não só não é taxativo, como é suscetível de ser complementado através da consideração de outros preceitos legais, provenientes de fonte diversa, que o tribunal a quo considerou pas- sível de recurso a decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis a partilhar no processo de inventário. 14. O conjunto de competências acima sumariamente descritas permite concluir que, não obstante ter levado a cabo uma verdadeira desjudicialização do processo de inventário, concretizada através da transferên- cia para os notários de uma parte substancial da tramitação do processo, o legislador continuou a confiar aos tribunais a resolução de todas as questões de maior complexidade fáctica e/ou jurídica suscitadas no respe- tivo âmbito, assim como manteve sob reserva de jurisdição a prática dos atos diretamente conformadores da posição jurídica das partes, como seja a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo e, em particular, a decisão homologatória da partilha. Pelo significado que poderá, à partida, assumir na caracterização da componente jurisdicional do pro- cesso de inventário, é conveniente que nos debrucemos mais detidamente sobre esta última decisão. Em termos que se poderão ter por relativamente consensuais, pode dizer-se que a decisão homologatória da partilha é uma decisão da competência própria do juiz, que consubstancia o ato constitutivo em que cul- mina toda a atividade desenvolvida no âmbito do processo que, até esse momento, correu termos perante o notário, através do qual se atribui aos interessados a titularidade exclusiva dos direitos sobre os bens incluídos no acervo, hereditário ou conjugal, que passaram a caber-lhes, conformando, dessa forma, a respetiva esfera jurídica.
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