TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
65 acórdão n.º 707/17 o interesse geral, de âmbito nacional, o Estado pode intervir nos setores em questão, desde que, repete-se, não restrinja excessivamente as competências municipais. A este nível, importa, desde logo, destacar o artigo 9.º, alínea d) , da Constituição, segundo o qual é uma tarefa fundamental do Estado «[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais». Ao nível dos direitos económicos, sociais e culturais, para os quais esta disposição remete, são de referir, com importância neste domínio, o direito à saúde, previsto no artigo 64.º, n.º 1 [cfr., igualmente, a alínea b) do n.º 2], e o direito ao ambiente e qualidade de vida, previsto no artigo 66.º, n.º 1. A este propósito, é ainda de notar que, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 2 deste preceito, «[p]ara assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos», «[p]romover, em colaboração com as autar- quias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana». Não pode passar despercebida, nesta norma, a previsão explícita de uma colaboração entre o Estado e as autarquias locais. No domínio da organização económica, é, por último, de destacar o artigo 81.º, alínea n) , segundo o qual «[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social» «[a]doptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos». Estas disposições impõem, assim, que o Estado promova e prossiga os valores em causa e que adote uma política nacional da água. 18. Os sistemas multimunicipais foram criados tendo em vista, justamente, a prossecução dos interesses coletivos supra citados, que, dado o nível de investimento exigido, muito dificilmente poderiam ser prosse- guidos ao nível municipal. Tal exigência de necessidade de um investimento predominante a efetuar pelo Estado constava, aliás, do artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 46/77, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 372/93, e manteve-se no artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 88-A/97. De facto, como afirmam Vital Moreira/ Fernanda Paula Oliveira, ob. cit. , pp. 38 e seguintes, a figura dos sistemas multimunicipais «visou dar ao Estado a responsabilidade pela criação de grandes infraestruturas de captação, tratamento e transporte de água, de recolha, tratamento e valorização de resíduos sólidos e líquidos urbanos, no âmbito de vários muni- cípios. Trata-se de tarefas que ultrapassam muitas vezes a capacidade mesmo dos maiores municípios, que exigem soluções territorialmente integradas, mais vastas do que as dos municípios, e que afetam fortemente o ambiente e a qualidade de vida de vastas populações sobretudo nas regiões de maior densidade populacio- nal». Além do mais, manteve-se sempre a coexistência dos sistemas multimunicipais com os sistemas muni- cipais, da titularidade dos municípios (no sentido de que «a criação de sistemas multimunicipais teria de respeitar a coabitação com os sistemas municipais», cfr. Fernanda Maçãs, “As parcerias Estado/autarquias locais: breves considerações sobre o novo modelo de gestão de serviços municipais de águas e resíduos”, in Revista de Contratos Públicos, n.º 3, 2011, p. 75). Os municípios são, em princípio, os únicos utilizadores dos sistemas multimunicipais, que só excecionalmente se ligam diretamente a outras pessoas, singulares ou coletivas, públicas ou privadas (no caso específico do sistema multimunicipal do Baixo Mondego-Bairrada, cfr. o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 172/2004). Deste modo, os munícipes ligam-se, por via de regra, aos sistemas municipais. A criação de sistemas multimunicipais, na medida em que transcende os interesses dos municípios, não necessita do acordo destes. O que se exige, naturalmente, é o parecer prévio dos municípios territorialmente abrangidos pelo sistema multimunicipal a criar. Tal estava previsto no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93 e mantém-se, aliás, no atual regime, no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 92/2013. Não é admissível, à luz do equilíbrio institucional estabelecido pela Constituição, que uma decisão do Governo a respeito do interesse nacional seja condicionada ao acordo dos municípios envolvidos. Essencial é que, efe- tivamente, esteja em causa esse interesse nacional, que transcenda o meramente local. Estando este requisito
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