TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

648 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL poder de controlo do processo não permite alcançar os objetivos pretendidos, desde logo porque o juiz não tem sequer conhecimento da existência do processo. Tendo isto presente, o Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela presente lei cria um sistema mitigado em que a competência para o processamento dos atos e termos do processo de inventário é atribuída aos cartórios notariais, sem prejuízo de as questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, serem decididas pelo juiz do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado.» Apesar da competência atribuída ao notário, ao qual foi confiada a função de condutor e decisor do processo de inventário, este não perdeu totalmente a sua natureza judicial. O sistema instituído pela Lei n.º 23/2013 é, ao invés, de um sistema compósito, na medida em que, apesar de ter convertido o notário no titular principal do processo, continua a reservar aos tribunais a prática de determinados atos, tanto em primeira instância como em via de recurso. Saber qual o conteúdo material da esfera de intervenção de cada um dos dois órgãos chamados a exercer competências decisórias no âmbito processo de inventário é o que se procurará esclarecer de seguida.  11. A competência dos cartórios notariais e dos tribunais em matéria de inventário encontra-se estabe- lecida no artigo 3.º do RJPI. Em conformidade com o n.º 1 do referido artigo 3.º «[c]ompete aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão efetuar o processamento dos atos e termos do processo de inven- tário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra», ao notário consequentemente cabendo, de acordo com o respetivo n.º 4 «dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habili- tação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns». Ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado compete, por seu turno, nos termos do n.º 7 do artigo 3.º do RJPI, «praticar os atos que», de acordo com tal regime, «sejam da competência do juiz». Do ponto de vista da entidade encarregue da tramitação do processo de inventário, o regime jurídico constante da Lei n.º 23/2013 assenta, assim, numa repartição material de competência entre os cartórios notariais e os tribunais, caracterizada pela atribuição «ao notário [d]a competência (regra) para a prática, em geral, de todos os atos e termos do processo de inventário» e pela especificação dos «atos (exceções à regra)» reservados «à competência do Tribunal» (cfr. Eduardo Sousa Paiva/ Helena Cabrita, Manual do processo de inventário: à luz do novo regime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 19). Conforme notado ainda na doutrina, a atribuição de competência-regra ao cartório notarial para a tra- mitação do processo de inventário assenta no facto de o notário – órgão próprio da função notarial – exercer as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha (cfr. artigo 10.º do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de fevereiro) (cfr. Carla Câmara/ Carlos Castelo Branco/ João Correia/ Sérgio Castanheira,  Regime Jurídico do Processo de Inventário – Anotado , 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2013, p. 35). Pelo especial interesse que reveste para a compreensão da racionalidade subjacente à solução impugnada, é conveniente passar em revista as específicas competências concretamente atribuídas aos notários e aos juízes no âmbito do processo de inventário. 12. Começando pelos notários, a primeira nota a salientar é a de que lhes foi atribuída não apenas uma competência residual – traduzida na faculdade de «dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra» (cfr. artigo 3.º, n.º 4, do RJPI) –, como ainda um conjunto de competências específicas a que importa fazer menção (para uma lista exaustiva dos atos cuja

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