TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
647 acórdão n.º 843/17 destinada a regular o sítio na Internet onde se previa que viesse a ser inscrito um conjunto de atos a praticar no âmbito do processo de inventário (artigo 2.º, n.º 3, da Lei n.º 29/2009). Apesar de a referida portaria nunca ter chegado a ser publicada – o que impediu que as alterações intro- duzidas pela Lei n.º 29/2009 no âmbito do processo de inventário tivessem entrado em vigor –, a doutrina não deixou, ainda assim, de apontar o elevado nível de ambiguidade e as múltiplas zonas de incerteza que, sobretudo na delimitação da esfera de intervenção dos notários e conservadores, por um lado, e dos juízes, por outro, acompanhavam o modelo acolhido naquele diploma legal, permitindo antecipar diversas dificul- dades, em especial no plano operativo. Com efeito, embora atribuísse ao juiz um «poder geral de controlo do processo», o regime consagrado na Lei n.º 29/2009 não contemplava a previsão dos mecanismos processuais necessários à respetiva efetiva- ção, não permitindo alcançar em que momentos, mediante que motivos e/ou sob a afirmação de que fun- damentos poderia ou deveria o juiz exercer aquela sua competência. Para além disso – ou em consequência disso –, o aludido regime não continha qualquer critério que permitisse descortinar os limites a que, perante o poder geral de controlo atribuído ao juiz, se encontravam necessariamente sujeitas as competências atri- buídas aos conservadores e notários no âmbito da tramitação do processo de inventário (cfr. Carla Câmara/ Carlos Castelo Branco/ João Correia/ Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário – Anotado , 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2013, p. 12). Apesar do nível de indefinição em geral evidenciado pelo regime acolhido na Lei n.º 29/2009, era certo, porém, que, sob incidência do mesmo, notários e conserva- dores apenas poderiam decidir com base em prova documental, sem possibilidade do recurso a outros meios de prova – testemunhal e pericial – para decidir questões prejudiciais relacionadas com a admissibilidade do processo de inventário e/ou com a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 29/2009). 10. A Lei n.º 29/2009 acabou por ser quase integralmente revogada pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março (cfr. artigo 6.º, n.º 1), diploma que, em termos não coincidentes com o modelo ali preconizado, aprovou o novo regime jurídico do processo de inventário. Prosseguindo e incrementando o propósito de desjudicialização parcial do processo de inventário –cuja finalidade continuou a ser a partilha do acervo hereditário ou o relacionamento dos bens que o integram (inventário arrolamento), assim como a partilha do património comum do casal –, o regime aprovado pela Lei n.º 23/2013 caracteriza-se, no confronto com aquele que começou por ser acolhido na Lei n.º 29/2009, tanto pela clarificação como pelo reforço do papel do órgão não jurisdicional decisor – que é agora apenas o notário – na tramitação dos atos e termos do processo. Para melhor caracterizar a ratio subjacente ao atual RJPI, é conveniente atentar na exposição de motivos constante da Proposta de Lei 105/XII, que esteve na génese da Lei n.º 23/2013, onde pode ler-se o seguinte: «Relativamente à Lei n.º 9/2009, de 29 de junho, o Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela presente lei contempla diversas alterações em matéria de repartição de competências para a prática de atos e termos do processo de inventário, criando um sistema mitigado, em que a competência para o processamento dos atos e termos do processo de inventário é atribuída aos cartórios notariais, sem prejuízo de as questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário, serem decididas pelo juiz do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado. (…) Consequentemente, o Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela presente lei atribui a com- petência para o processamento dos atos e termos do processo de inventário aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão, evitando-se, desta forma, que o processo de inventário corra termos em cartório notarial que não tem qualquer conexão com o óbito ou com os respetivos herdeiros. Em segundo lugar, entende o Governo que o controlo do processo por parte do juiz não pode ser devidamente exercido quando este não tem contacto direto com o processo e com as partes. A atribuição ao juiz de um mero
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