TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

646 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL violação dos princípios da reserva de juiz e da garantia de acesso a uma decisão proferida por órgão jurisdi- cional, consagrados, respetivamente, nos artigos 205.º e 20.º, n.º 4, da Constituição. A norma cuja aplicação foi, em definitivo, afastada pelo tribunal recorrido pode, assim, enunciar-se nos seguintes termos: trata-se do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, em conjugação com o artigo 489.º do CPC, quando interpretados no sentido de que, no âmbito da decisão do incidente de impugnação do valor atri- buído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada, o notário pode proceder à livre apreciação da prova pericial nos casos em que tenha sido determinada a realização de mais do que uma perícia com o mesmo objeto e aquela decisão haja sido impugnada perante o tribunal de comarca, tendo este conhecido do mérito do recurso.    É essa, portanto, a dimensão normativa que cumpre seguidamente confrontar com a Constituição. B. Do mérito 9. A exata compreensão da norma que integra o objeto do presente recurso, tal como acima delimitado, não dispensa uma explicitação, ainda que breve, do atual regime jurídico aplicável ao processo de inventário. Tal regime foi aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, e, em linha com o que ocorrera com o regime anteriormente aprovado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, inscreve-se no âmbito da adoção continuada de um conjunto de medidas destinadas a contribuir para o descongestionamento dos tribu- nais judiciais, designadamente aquelas que foram elencadas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 11 de outubro de 2007 ( Diário da República , 1.ª série, de 6 de novembro de 2007), aprovada no seguimento do Plano de Ação para o Descongestionamento dos Tribunais adotado, em 2005, pelo XVII Governo Constitucional. Conforme pode ler-se no preâmbulo daquela Resolução, a alteração do regime do processo de inventário releva de «um esforço de racionalização do sistema de justiça», orientado para a sua «gestão racional» e para o melhoramento dos «níveis de eficácia» do «sistema jurídico» e do «acesso à justiça», esforço esse prosseguido através da retirada dos tribunais dos «processos» suscetíveis de serem «resolvidos por vias alternativas», por forma a «aliviar a pressão processual sobre as instâncias judiciais» e a libertar «os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a proteção de bens jurídicos que efetivamente mereçam a tutela judicial». Inscrita no âmbito do referido programa, uma das medidas de descongestionamento contempladas na citada Resolução [cfr. alínea  d)  do respetivo n.º 1] consistiu na «[d]esjudicialização do processo de inven- tário», tendo-se para o efeito particularmente em conta «que o tratamento pela via judicial deste processo resulta[va] particularmente moroso», e assegurando-se «sempre o acesso aos tribunais em caso de conflito». Assim delineada, tal medida começou por ser concretizada na Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário. Consagrando, de forma inovatória, a ideia de desjudicialização parcial do processo de inventário, o regime constante da Lei n.º 29/2009 tinha como principal nota distintiva a atribuição da competência para a prática de vários dos atos compreendidos no processo aos serviços de registo que viessem a ser designados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça e aos cartórios notariais (cfr. artigo 3.º, n.º 1). De acordo com o modelo preconizado no referido diploma legal, ao juiz era reservado o «controlo geral do processo», facultando-se-lhe o poder de, «a todo o tempo, decidir e praticar os atos que entend[esse] deve- rem ser decididos ou praticados pelo tribunal» (artigo 4.º, n.º 1), para além da competência em exclusivo para «proferir sentença homologatória da partilha» e praticar os outros atos que, nos termos da referida lei, se lhe encontrassem atribuídos (artigo 4.º, n.º 2). As alterações introduzidas pela Lei n.º 29/2009 no âmbito do processo de inventário não chegaram, todavia, a produzir quaisquer efeitos. Depois de revisto pela Lei n.º 1/2010, de 15 de janeiro, o n.º 1 do artigo 87.º da Lei n.º 29/2009 acabou por ser decisivamente modificado pela Lei n.º 44/2010, de 3 de setembro, que colocou a entrada em vigor daquelas alterações na dependência da publicação da portaria

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