TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

645 acórdão n.º 843/17 à valoração do respetivo resultado – e, consequentemente, de decidir o próprio incidente de impugnação –, impondo-se-lhe, neste caso, a obrigatória remessa dos interessados para os meios judiciais comuns. 7. Apesar de não ser possível dilucidar, em face da fundamentação seguida na decisão recorrida, qual dos dois possíveis enquadramentos determinou a recusa de aplicação do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, há dois aspetos, ambos relativos à caracterização do objeto do recurso, que se tornam neste momento claros. O primeiro diz respeito à assunção de que a decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor dos bens a partilhar é recorrível para o tribunal de comarca do cartório notarial onde o processo de inventário foi apresentado. Apesar de o elenco dos atos notariais suscetíveis de impugnação judicial estabelecido no RJPI não contemplar expressamente, conforme adiante melhor se verá, a decisão proferida no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens a partilhar, o tribunal  a quo , assumindo implicitamente não ser tal elenco taxativo, considerou que, por estar em causa a fixação do valor de bens imóveis, a recorribilidade daquela decisão era assegurada pelo disposto no artigo 145.º do Código de Registo Predial – referente à impugnação judicial da decisão de qualificação do ato de registo – e, nesse pressuposto, aceitou e conheceu do mérito do recurso. Deste ponto de vista, a solução sufragada pelo tribunal recorrido – que parece, de resto, relevar do carác- ter lacunoso que muitos vêm apontando à regulamentação contida no RJPI (neste sentido, vide Eduardo de Sousa Paiva, “O novo processo de inventário”, in  Julgar , n.º 24, Coimbra, 2014, pp. 116 e seguintes, e Nuno Lemos Jorge, “Função do notário e função do juiz no regime jurídico do processo de inventário”, in  Julgar , n.º 24, Coimbra, 2014, pp. 129 e seguintes) –, apresenta-se como um dado indiscutido para este Tribunal. Não tendo aqui lugar qualquer tipo de sindicância sobre a correção jurídica do resultado interpretativo alcançado pelo tribunal  a quo no plano do direito infraconstitucional, será no necessário pressuposto de que a decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de- -casal aos bens imóveis a partilhar é judicialmente impugnável – como, de resto, efetiva e consequentemente o foi no âmbito dos presentes autos – que cumprirá apreciar a conformidade constitucional do comando extraído do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, recusado aplicar no caso  sub judice . 8. O segundo aspeto diz respeito à específica caracterização desse comando. Segundo claramente decorre da fundamentação constante da decisão recorrida, o que o tribunal  a quo  considerou incompatível com o princípio da reserva de juiz, consagrado no artigo 205.º da Constituição, e com a garantia de acesso a uma decisão proferida por órgão jurisdicional, extraível dos respetivos artigos 20.º, n.º 4, e 202.º, foi a possibilidade de, no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada, o notário proceder à livre apreciação da prova pericial cuja produção foi determinada, nos casos em que tiver sido realizada mais do que uma perícia com o mesmo objeto. Sendo este o comando cuja aplicação foi em concreto recusada, sem dificuldade se percebe que o mesmo procede, não apenas do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, como ainda, e necessariamente, do disposto no artigo 489.º do Código de Processo Civil («CPC») – nos termos do qual a «segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal» –, preceito este que, por essa razão, não pode deixar de integrar o “bloco normativo” a partir do qual deve ser definido o objeto do presente recurso de constitu- cionalidade. Clarificados que estão estes dois aspetos, o juízo decisório subjacente à recusa que motivou o presente recurso torna-se agora mais evidente: pressupondo judicialmente impugnável a decisão proferida pelo notá- rio no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis a parti- lhar, o tribunal a quo  considerou, ainda assim, não poder ter ali lugar a livre apreciação da prova pericial para o efeito determinada sempre que tiver havido lugar à realização de uma segunda perícia, sem que ocorra a

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