TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL nenhum deles tendo apresentado qualquer reclamação. Todavia, em razão das discrepâncias que verificou existir entre a primeira e a segunda avaliações, a notária solicitou ao segundo perito interveniente esclareci- mentos complementares quanto aos critérios utilizados na avaliação que levara a cabo, facultando-lhe, para o efeito, o acesso ao primeiro relatório pericial. A descrita sequência de atos culminou na decisão do incidente de reclamação proferida pela notária, que, após apreciar ambos os relatórios periciais juntos aos autos, julgou procedente a impugnação dos valores atribuídos pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis em litígio. Desta decisão, A., ora recorrida, interpôs recurso judicial para do Tribunal da Comarca do Porto Este, no respetivo âmbito tendo suscitado a inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 1, ambos da Constituição, do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, quando «interpretado no sentido de ser permitido ao Notário proceder a atos de julgamento, designadamente de apreciação de prova pericial», não obstante a segunda avaliação pericial realizada no âmbito do incidente de reclamação ter tido lugar a seu expresso pedido.  Tal recurso foi admitido, primeiro pela notária, que considerou a decisão em causa recorrível por força do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea h) , do Código de Processo Civil, e, seguidamente, pelo próprio tribunal  a quo. Tendo-o por interposto ao abrigo do artigo 145.º do Código de Registo Predial, o tribunal recorrido conheceu do mérito do que designou por «recurso para impugnação da decisão que julgou proce- dente a impugnação dos valores atribuídos pelo cabeça-de-casal aos prédios» constantes da relação de bens, então interposto pela ora recorrida, o que fez por ter entendido inexistirem razões suscetíveis de a tal obstar. 6. Confrontado com a questão de constitucionalidade suscitada pela ora recorrida, o tribunal a quo  con- siderou que, no segmento em que procedera à apreciação de ambos os relatórios periciais apresentados nos autos e fixara o valor dos bens constantes da relação apresentada pelo cabeça-de-casal, aquela decisão se fun- dara no disposto no artigo 489.º do Código de Processo Civil – aplicável ao processo de inventário por força da remissão constante do artigo 33.º, n.º 2, do RJPI –, de acordo com o qual, em caso de realização de uma segunda perícia, uma e outra são apreciadas livremente pelo tribunal. Por entender que, «ao incluir a apreciação de prova com vista a uma decisão de conflito de partes», a decisão proferida pela notária configurava um «ato jurisdicional» e, bem assim, que, por força do disposto no artigo 205.º da Constituição, os atos jurisdicionais se encontram reservados aos tribunais, o tribunal  a quo  recusou a aplicação da norma constante do artigo 33.º, n.º 2, do RJPI, interpretada no sentido de «per- mitir que o Notário proceda a decisão de mérito de apreciação da prova pericial com vista à fixação do valor de verbas objeto da mesma prova», que considerou igualmente incompatível com a garantia de acesso a uma decisão proferida por órgão jurisdicional, extraível dos artigos 20.º, n.º 4, e 202.º da Lei Fundamental. Em resultado de tal recusa, o tribunal recorrido revogou a decisão proferida pela notária, o que fez sem explicitar, todavia, quais as consequências que deveriam seguir-se de acordo com o fundamento da referida revogação. Isto é, se a decisão revogada deveria ser substituída por uma outra, a proferir ainda pela notária, mas já sem possibilidade de livre apreciação da prova consubstanciada nos dois relatórios periciais juntos aos autos; ou – o que parece ter maior cabimento –, se, sobrevinda no processo de inventário a necessidade de apreciar duas perícias com o mesmo objeto, o incidente de impugnação só pelo tribunal passaria a poder ser decidido, convertendo-se o caso numa hipótese de remessa, não facultativa, mas obrigatória, das partes para os meios comuns. Por outras palavras: a fundamentação seguida na decisão recorrida não permite perceber se, na génese da construção subjacente à recusa de aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º do RJPI, se encontra a ideia segundo a qual a notária, apesar de competente para decidir o incidente de impug- nação previsto no referido artigo, não pode nele determinar a realização de uma segunda avaliação para determinação do valor dos bens constantes da relação apresentada pelo cabeça-de-casal, por se lhe encontrar constitucionalmente vedada a possibilidade de vir a apreciar o respetivo resultado, no confronto com o da primeira avaliação; ou, pelo contrário, o entendimento segundo o qual, tendo competência para determinar a realização de uma segunda avaliação aos bens constantes da lista apresentada pelo cabeça-de-casal cujo valor haja sido impugnado, a notária se encontra vinculada, por imposição constitucional, a abster-se de proceder

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