TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

642 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 52.º De nenhum destes Acórdãos decorre qualquer censura constitucional, pela opção de o legislador ter decidido entregar a condução de grande parte do processo de inventário aos notários, designadamente por pretensa violação do princípio constitucional da reserva de juiz. 53.º Estamos, pois, no âmbito da liberdade de conformação legislativa do legislador, que entendeu entregar a con- dução de grande parte do processo de inventário aos notários, sem, todavia, prejudicar a intervenção do juiz nos momentos e para os efeitos que considerou necessários a assegurar uma tutela jurisdicional efetiva dos envolvidos em tal processo de inventário. Aliás, em nenhum momento a digna magistrada judicial recorrida põe em causa o acerto da decisão da senhora notária, quanto ao mérito da sua decisão relativamente à partilha de bens, bem pelo contrário (cfr. supra n.º 15 das presentes alegações).» 4. Notificada para o efeito, a recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo-o feito nos termos seguintes: «1) Ao julgar inconstitucional por violação do princípio da reserva do Juiz, decorrente dos artigos 20, n.º 4, 202 e 205 da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 33.º, n.º 2 da Lei 23/2013, interpretada no sentido de permitir que o Notário proceda a decisão de mérito de apreciação da prova pericial com vista à fixação do valor de verbas objeto de prova, a sentença proferida em 5 de janeiro de 2017 fez uma correta interpretação e aplicação da Lei, não merecendo qualquer reparo. Vejamos: 2) Só ao Tribunal e não ao Notário, cabe fixar livremente a força probatória das respostas dos peritos nos termos do artigo 389 CPC. É que, 3) Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). 4) A nossa Lei Fundamental estabelece assim uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicio- nal em proveito dos tribunais, cabendo a estes o monopólio do exercício da função jurisdicional, monopólio que é essencialmente da primeira palavra, podendo nalguns casos ser apenas da última palavra. 5) No cumprimento desta tarefa compete aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). 6) Está constitucionalmente prevista a possibilidade de a lei instituir instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos (artigo 202.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), entendendo-se na doutrina constitucional que nessas formas de composição cabem a conciliação e a mediação enquanto mecanismos de autocomposição ou composição autónoma de conflitos, mas já não a apreciação da prova pelos Notários. 7) Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, é assegurado a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. o direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais, entidades que gozam de independência e imparcialidade (artigo 203.º da Cons- tituição da República Portuguesa). 8) Assim sob pena de violação do princípio constitucional de reserva do juiz, previsto no artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa, o Notário está impedido, de apreciar a prova e decidir de acordo com essa apreciação, as questões relativamente a partes que estejam em litígio. 9) Aliás esta questão foi levantada, desde logo, pelo Conselho Superior da Magistratura em parecer emitido e remetido ao Presidente da 1.ª Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. 10) Assim a decisão de um Notário de fixar os valores para efeitos de partilha às verbas enferma de inconstitu- cionalidade material.

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