TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a agregação de sistemas multimunicipais, mormente aquela operada pelos artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 92/2015. Os requerentes alegam que «[a] decisão unilateral de proceder à extinção do sistema sem que tenha sido obtida a anuência, nem da sociedade Águas do Mondego, nem dos municípios utilizadores desse sistema é violadora do princípio da autonomia constitucional atribuída aos municípios» (cfr. o ponto 125 do pedido). Quanto à criação do sistema multimunicipal do Centro Litoral de Portugal, consideram que se aplicam « mutatis mutandis todas as razões de (in)constitucionalidade acima já enumeradas sobre a violação da esfera constitucional municipal e privada dos municípios, para onde se remete por comodidade» (cfr. o ponto 130). Como se viu, a partir de 1993, o reconhecimento pelo legislador da importância da intervenção estadual no suprimento de carências existentes ao nível da organização e do funcionamento dos sistemas municipais, conduziu à instituição de um sistema assente na distinção entre sistemas multimunicipais – da titularidade do Estado – e sistemas municipais – da titularidade dos municípios – e a desenvolver num modelo de fun- cionamento articulado e eficiente. Enquanto os primeiros funcionam, tendencialmente, em alta (a montante da distribuição de água ou a jusante da coleta de esgotos e sistemas de tratamento de resíduos sólidos), os segundos, quando coexistem com os primeiros (nem todas as zonas do território nacional estão cobertas por sistemas multimunicipais), funcionam em baixa, isto é, ligando-se, a montante, aos primeiros e, a jusante, aos utilizadores finais. Assim, a criação de sistemas multimunicipais, incluindo o do Baixo Mondego-Bair- rada, baseou-se na exigência de “um investimento predominante a efetuar pelo Estado em função de razões de interesse nacional” (cfr. o artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 88-A/97, na redação original). A compatibilidade com a Constituição e, mais especificamente, com o princípio da autonomia do poder local, da criação, ao abrigo do disposto na Lei n.º 88-A/97, do sistema multimunicipal do Baixo Mondego- -Bairrada, não é posta em causa pelos requerentes. O que se questiona é a extinção do sistema em causa e a criação do sistema que o vem substituir. No entanto, esta extinção e a subsequente criação do sistema mul- timunicipal do Centro Litoral de Portugal (cfr. o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 92/2015), que resulta da agregação do sistema multimunicipal do Baixo Mondego-Bairrada com outros dois sistemas multimuni- cipais (cfr. o artigo 2.º, n.º 2), é, à luz da Constituição, justificada, em parte, pelas mesmas razões que permi- tiram a criação dos sistemas multimunicipais primitivos. Afinal, o Decreto-Lei n.º 92/2015 apenas procede a uma reorganização, extinguindo três sistemas multimunicipais preexistentes e agregando-os num novo, que cria. A estas razões, são, depois, de acrescentar aquelas que se prendem especificamente com a necessidade, na ótica do Governo, de agregação dos sistemas multimunicipais preexistentes. Vejamos então como se pode justificar, ao nível da Constituição, a criação, pelo Estado, de sistemas multimunicipais. 17. A intervenção do Estado nos setores do abastecimento de água e do saneamento tem de ter em conta as eventuais competências municipais nessa matéria, fixadas na lei, de acordo com o disposto nos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º, n.º 1, da Constituição. O princípio da autonomia local admite, seguramente, restrições, mas apenas sob o crivo do princípio da proporcionalidade e sempre com o limite de não se afetar o seu núcleo essencial. É incontestável que os municípios possuem competências em matéria de abastecimento de água e de saneamento, de acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea k) , da Lei n.º 75/2013, de 12 de setem- bro, que aprova o regime jurídico das autarquias locais (e já a possuíam, como vimos, ao abrigo da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de março). Na verdade, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 379/93 (aprovado na sequência do Decreto-Lei n.º 372/93, de 29 de outubro), que criou os primeiros sistemas multimunicipais, os setores em questão estavam, quase sem exceção, inteiramente integrados na esfera dos municípios (cfr. 11.1., supra ). Não obstante, a atribuição aos municípios de competências em matéria de abastecimento e de sanea- mento é efetuada, ao abrigo do disposto no artigo 235.º, n.º 2, da Constituição, em função dos «interesses próprios das populações respetivas», isto é, de interesse meramente local. Deste modo, quando está em causa
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