TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

635 acórdão n.º 843/17 VIII – Na solução normativa cuja aplicação foi considerada incompatível com o princípio da reserva de juris- dição, consagrado no artigo 202.º da Constituição, vai, afinal, implicado um modelo que aponta para a intervenção de dois órgãos decisores de distinta natureza, que coexercem, dentro da esfera de intervenção respetiva, as funções materialmente jurisdicionais supostas pela composição dos interesses em litígio, através de um sistema que reserva ao órgão judicial, não apenas a primeira palavra na conformação defi- nitiva da posição jurídica dos interessados, como também a última palavra na decisão do incidente de impugnação do valor atribuído pelo cabeça-de-casal aos bens imóveis constantes da relação apresentada. IX – Ora, é desde logo por pressupor a possibilidade de reexame por um tribunal da decisão proferida pelo notário no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído aos bens imóveis constantes da relação apresentada, que a norma recusada aplicar, apesar de atribuir a um órgão não jurisdicional competência para instruir e valorar a atividade probatória que deva anteceder tal decisão, não viola o princípio da reserva jurisdicional consagrado no artigo 202.º da Constituição da República. X – Na medida em que, de acordo com a própria norma cuja aplicação foi afastada, da decisão notarial proferida no âmbito do incidente de impugnação do valor atribuído aos bens imóveis a partilhar cabe recurso para o tribunal, não se vê como poderá tal norma colidir com o princípio do acesso ao direito ou da tutela jurisdicional efetiva; as razões que permitiram excluir a incompatibilidade da solução impugnada com o princípio da reserva de jurisdição, consagrado no artigo 202.º da Constituição, são, assim, as mesmas que conduzem a concluir pela ausência de qualquer lesão constitucionalmente censurável do princípio do acesso ao direito, estabelecido no artigo 20.º da Lei Fundamental. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, doTribunal Judicial da Comarca de Porto Este, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea  a)  do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 13 de janeiro de 2017, da sentença proferida por aquele tribunal, em 5 de janeiro de 2017, que recusou a aplicação, com fundamento na violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da reserva do juiz, previstos nos artigos 20.º, n.º 4, 202.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário (seguidamente, «RJPI»), quando interpretada no sentido de «permitir que o Notário proceda a decisão de mérito de apreciação de prova pericial com vista à fixação do valor de verbas objeto da mesma prova», e, em consequência, determinou a revogação da decisão da Sr.ª Notária, proferida em 8 de agosto de 2016, da qual havia sido interposto recurso judicial em 6 de setembro de 2016. 2. Com relevo para os presentes autos, consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: «I – Relatório A recorrente A., nos termos do artigo 145.º do Código do Registo Predial, veio intentar o presente: recurso para impugnação da decisão que julgou procedente a impugnação dos valores atribuídos pelo cabeça- -de-casa aos prédios que identifica.

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