TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

634 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pode pôr termo a uma comunhão conjugal ou hereditária e, no aqui particularmente releva, de no respetivo âmbito dirimir os litígios que possam suscitar-se quanto ao valor atribuído a certos dos bens a partilhar, que tal órgão possa promover a realização das diligências probatórias necessárias ao escla- recimento dos factos controvertidos e valorar o respetivo resultado, em ordem à fixação do quadro factual relevante para a decisão do incidente. IV – A norma cuja aplicação foi em concreto recusada, no segmento em que reflete a atribuição ao notário da faculdade de apreciar livremente a prova pericial sempre que tiver havido lugar à realização de mais do que uma perícia com o mesmo objeto, será constitucionalmente legítima se e na exata medida em que o for a atribuição àquele decisor não jurisdicional da competência para instruir probatoriamente o litígio relativo à fixação do valor dos bens a partilhar suscitado no âmbito do processo de inventário e, com base na apreciação da prova a cuja produção tiver tido lugar, fixar autonomamente a matéria de facto pressuposta pela decisão a proferir no âmbito de tal incidente. V – Sendo os direitos exercidos através do processo de inventário disponíveis por natureza, encontramo- -nos no domínio da reserva relativa da jurisdictio , ou seja, daquele em que, ocorrendo razões de interesse público constitucionalmente relevantes, o legislador ordinário se encontra constitucional- mente autorizado a atribuir a um órgão não jurisdicional competência para, através da definição do direito aplicável aos factos previamente estabelecidos, intervir na resolução dos diferendos que possam suscitar-se entre os interessados, reservando aos tribunais a faculdade de, por via do reexame judicial do pleito, fixar, em definitivo, o sentido da composição do litígio. VI – Os fins prosseguidos através da atribuição a um órgão não jurisdicional da competência para a prática de atos materialmente jurisdicionais no âmbito do processo de inventário cobram a sua razão de ser no propósito de racionalização do sistema judiciário, de modo a salvaguardar o seu eficaz funciona- mento e, com isso, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável; a opção de atribuir aos notários competência para a prática de atos materialmente jurisdicionais no âmbito da tramitação do processo de inventário constitui, em face dos fins que através dela se prosseguem, uma medida tanto adequada quanto necessária. VII – Embora não se encontre expressamente prevista a possibilidade de, no âmbito da decisão homologa- tória da partilha – na qual culmina o processo de inventário – serem sindicadas pelo tribunal, tanto no plano fáctico como no plano do direito aplicável, as decisões com que o notário pôs termo aos incidentes suscitados perante si, de acordo com a solução normativa recusada aplicar, a atribuição ao notário de competência para dirimir o litígio relativo ao valor dos bens imóveis a partilhar – promo- vendo a produção de todos os meios de prova requeridos pelos interessados ou a que oficiosamente entenda dever haver lugar, valorando criticamente o seu resultado e fixando, com base nessa valoração, o quadro factual relevante para a decisão do incidente – surge acompanhada, não só a montante como também a jusante, da garantia do acesso à jurisdição: a montante no sentido em que, requerendo as partes a remessa para os meios comuns – pedido cujo indeferimento é impugnável perante o tribunal –, a este passará a caber tanto a primeira como a última palavra no solucionamento do conflito; e a jusante na medida em que, no caso de tal remessa não ter tido lugar, da decisão proferida pelo notário caberá recurso para o tribunal de comarca, sendo, portanto, através da intervenção de um juiz e com base no juízo de sindicância que autonomamente lhe cabe formular, que, em caso de persistência do conflito, o valor dos bens é em definitivo fixado.

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