TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
63 acórdão n.º 707/17 constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade» ( ob. cit. , pp. 656-657).» (...) «A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a prossecução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomea- damente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a auto- nomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n.º 1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º). Como António Cândido de Oliveira refere, existe um «conjunto de poderes constitu- cionalmente garantidos», tais como «o poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente; o poder de dispor de património e finanças próprias; o poder de dispor de um quadro de pessoal próprio; o poder regulamen- tar próprio; o de exercer sob responsabilidade própria um conjunto de tarefas adequadas à satisfação dos interesses próprios das populações respetivas», que «garante à administração local uma situação de não submissão em relação à administração do Estado», e constitui «aquilo a que poderíamos chamar a vertente de defesa da autonomia local» ( Direito das Autarquias Locais , Coimbra Editora, 2013, pp. 92-93). O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra Editora, 2012, p. 385).” Por sua vez, o artigo 238.º, n.º 1, da Constituição estipula que «[a]s autarquias locais têm património e finanças próprios». Garante-se, assim, autonomia patrimonial e financeira às autarquias locais. Ambas têm uma função instrumental, sendo pressuposto da autonomia local. Na expressão do Acórdão n.º 398/13 (correspondendo esta posição a uma jurisprudência constitucional constante e uniforme, já manifestada, por exemplo, no Acórdão n.º 631/99): «A consagração constitucional da autonomia local traduz (…) o reconhecimento da existência de um conjunto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas cir- cunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos. Este reconhecimento tem pres- suposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e receitas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente, dos interesses específicos e próprios das respetivas populações. Assim, para que possam levar a cabo o conjunto de tarefas que estão incluídas nas suas atribuições e competências, é colocada à disposição das autarquias locais um conjunto de mecanismos legais e operacionais suscetíveis de as tornarem exequíveis, designadamente a possibilidade de disporem de patri- mónio e receitas próprias, gozando, assim, de autonomia financeira». G. Criação por agregação dos sistemas multimunicipais e extinção dos sistemas preexistentes (artigos 1.º, n.º 1, e 2.º do Decreto-Lei n.º 92/2015) 16. Feito este enquadramento constitucional relativo ao princípio da autonomia do poder local, é che- gado o momento de nos pronunciarmos sobre as normas impugnadas. Comecemos pela questão que versa
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