TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
623 acórdão n.º 841/17 como acontece quando se legisle sobre matéria diferente ou para além da autorizada ou em sentido divergente do autorizado, constitui motivo de inconstitucionalidade do decreto-lei autorizado. No caso vertente, as dúvidas de constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes reportam-se mais precisamente ao sentido e extensão da autorização legislativa. Está em causa a amplitude da norma da alínea f ) do artigo 2.º da Lei n.º 18/2000, que autoriza o Governo a: «Estabelecer regras específicas para tornar célere e eficaz o processo das expropriações necessárias à realiza- ção das intervenções aprovadas e a aprovar no âmbito do Programa Polis, bem como regras específicas relativas ao reordenamento urbano daí resultante e à reinstalação e funcionamento de atividades localizadas nas zonas de intervenção respetivas, designadamente no que respeita à posse administrativa dos bens a expropriar cuja declaração de utilidade pública tenha caráter de urgência e à constituição da comissão arbitral por forma a garantir o respeito pelo calendário previsto para as intervenções». Independentemente da questão de saber se o Governo precisava ou não de autorização legislativa para declarar, na forma de decreto-lei, a urgência da utilidade pública expropriativa e o caráter urgente do procedimento expro- priativo (n. os 1 e 2 do artigo 13.º em conjugação com o n.º 1 do artigo 15.º do CE), nenhum elemento ou critério de interpretação daquela alínea permite concluir que autorização legislativa impede que a declaração de urgência seja feita pelo próprio legislador. A Lei n.º 18/2000, no artigo 1.º, autoriza o Governo a criar um «regime especial» aplicável às zonas de inter- venção do Programa Polis, e no artigo 2.º especifica as diretivas e princípios que devem orientar esse regime. No que respeita ao processo expropriatório, o «sentido e a extensão» do regime especial deve incluir «regras específicas» que o tornem mais «célere e eficaz». Ora, no âmbito do poder de criar regras específicas para tornar célere e eficaz o processo das expropriações, pode facilmente incluir-se a possibilidade do Governo conferir caráter urgente às expropriações, « ex vi legis », sem que isso comprometa o sentido da expressão textual. É que a exigência do procedimento expropriativo ser «espe- cial», «célere» e «eficaz», tem subjacente a insuficiência, por razões de tempo, do procedimento ordinário ou normal para alcançar a utilidade pública expropriativa. Se os procedimentos previstos no Código das Expropriações fossem suficientes para realizar, no tempo previsto, as intervenções do Programa Polis, naturalmente que não havia jus- tificação para se criar uma normatividade especial relativamente à normatividade geral constante daquele código. A enunciação da natureza (especial) e finalidade (célere e eficaz) das regras procedimentais das expropriações realizadas nas zonas de intervenção do Programa Polis vincula o Governo a criar normas especiais em relação ao procedimento administrativo normal que permitam realizar rapidamente aquelas intervenções. Dentro da mar- gem de liberdade que a autorização legislativa concede para conformar o procedimento expropriativo especial, o Governo tanto podia criar um regime autónomo dos já existentes como remeter para estes, com aditamento de especialidades que lhe conferisse maior celeridade e rapidez. A opção seguida nos artigos 6.º, n. os 3 a 5, 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 314/2000 foi precisamente neste último sentido: por um lado, atribuiu-se caráter urgente aos processos de expropriação, o que implicou a remissão para as regras do CE relativas ao procedimento adminis- trativo urgente (artigos 11.º, n.º 1, 15.º e 20.º, n. os 6 e 8); por outro, criaram-se algumas normas de simplificação quanto à instrução do procedimento, à constituição da comissão arbitral e ao modo de pagamento da indemniza- ção. Considerando que a expropriação urgente está prevista no CE como um procedimento que permite realizar o interesse público específico prosseguido com a expropriação num lapso de tempo que não seria possível alcançar através do procedimento normal, a opção de remeter para esse modelo procedimental enquadra-se perfeitamente no parâmetro definido na primeira parte da alínea f ) do n.º 2 da Lei n.º 18/2000. Os recorrentes, lendo a segunda parte da norma da alínea f ) do artigo 2.º da Lei de Autorização, no segmento em que admite que a «declaração de utilidade pública tenha caráter de urgência», sustentam que a norma tem implícita a existência de expropriações não urgentes. De modo que ao prescrever que todas as expropriações são urgentes, o decreto-lei autorizado afasta-se da lei de autorização, um vício que se traduz em inconstitucionalidade orgânica.
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