TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL beneficiados realizam despesas, planos ou orientações de vida (designados por “investimentos na confiança”) merecedores de proteção no plano constitucional. Por isso, as expectativas fundadas nas normas convencionais não justificam a intervenção do princí- pio da confiança. A precariedade no tempo do estatuto coletivo é um facto que permite aos trabalhadores abrangidos pela convenção antecipar eventuais mutações nas normas que o formam. Ou seja: não estamos perante expectativas que sejam, à partida, merecedoras de proteção, pois tais alterações são sempre previsíveis para os trabalhadores. Nenhuma confiança foi criada nos trabalhadores do IFAP, I.P. de que as prestações complementares ou sociais constantes no ACT se iriam manter para sempre. No caso dos “direitos em for- mação”, como é o prémio de antiguidade, o Tribunal Constitucional tem sustentado que não há um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados – e, concretamente, não possuem qualquer expectativa legítima na pura e simples manutenção do status quo vigente (Acórdãos n. os 99/99, 302/06, 351/08 e 188/09). Acresce que a cessação de eficácia do ACT para os trabalhadores do IFAP, I.P. era objetivamente pre- visível desde a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro. A prevalência das normas dessa Lei sobre os instrumentos de regulamentação coletiva (artigo 86.º) teve como consequência a caducidade do ACT do setor bancário para os trabalhadores cujos contratos individuais de trabalho se converteram em contratos de trabalho em funções públicas. Desde essa data que os trabalhadores abrangidos pelo ACT tinham conhecimento que na entrada em vigor do RCTFP – que ocorreu em 1 de janeiro de 2009 –, seriam integrados nas novas carreiras e categorias da função pública, com o consequente reposicionamento remu- neratório, e que os suplementos remuneratórios que não fossem integrados na remuneração deixariam de ser auferidos (artigos 104.º e 112.º). Todavia, a integração nas carreiras e o reposicionamento remuneratório apenas correu no dia 1 de março de 2013, data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro (artigo 13.º, n.º 2). Ora, a longa duração do regime transitório é uma circunstância que diminui eventuais expectativas formadas anteriormente, evitando que os trabalhadores sejam surpreendidos por uma mudança súbita e imprevisível do regime em que depositaram confiança. Assim sendo, não é viável sustentar que a alteração da situação jurídico-funcional dos trabalhadores abrangidos pelos ACT consubstancia uma situação de todo inesperada, que afeta de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitima- mente fundadas dos trabalhadores. Não obstante ser evidente a inexistência de uma situação de confiança legítima a tutelar frente ao dis- posto nos artigos 6.º, n.º 5, 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro, é também certo que estes preceitos superam o teste do interesse público: na ponderação a realizar entre os interesses desfavo- ravelmente afetados pela alteração da estrutura normativa das relações de trabalho e o interesse público que justifica essa alteração, este prevalece. A proteção jurídico-constitucional da “confiança” pressupõe que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Ora, não poderá deixar de se assinalar que a conversão dos contratos individuais de trabalho em con- tratos de trabalho em funções públicas, a integração em novas carreiras e categorias e as novas regras de reposicionamento remuneratório constantes da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, concretizadas pelo Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro, em ralação aos trabalhadores do IFAP, I.P. visam salvaguardar interesses públicos relevantes. Desde logo, a definição das formas de constituição, modificação, e extinção da relação de emprego público, o sistema de carreiras e categorias da função pública, o sistema retributivo e os seus componentes são matérias integrantes das “bases do regime e âmbito da função pública”, a que alude a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. São, portanto, matérias que fazem parte do núcleo essencial do regime de emprego público e que, por via da Constituição, são unilateralmente fixadas pelo Estado. Não obstante a Constituição não definir o que são «leis de bases» (Acórdão n.º 493/05), elas estão relacionadas com o artigo 269.º, onde precisamente se estabelecem os princípios materiais informadores do vínculo de emprego público, entre os
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