TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

584 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional fez ao n.º 1 do artigo 269.º, ao substituir a expressão “funcionários” pela alternativa “trabalha- dores da Administração Pública” – a verdade é que se extraem da Constituição muitos aspetos da conceção estatutária da relação de emprego público. A manutenção de uma acentuada unilateralidade na fixação do regime das relações de emprego público e a importância do interesse público revelada pelos artigos 165.º, n.º 1, alínea t) , 266.º, n.º 2, e 269.º, n.º 1 da Constituição, singularizam o regime da relação de emprego público perante a relação de emprego privada. Ora, a especificidade da relação de emprego público em face do regime de emprego privado também se manifesta no domínio da contratação coletiva. O direito de contratação coletiva das relações de trabalho é reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública (artigo 56.º, n.º 3, da CRP). Todavia, encontra- -se sujeito a maiores condicionalismos do que no setor privado, pelo facto do núcleo essencial da relação de emprego público continuar a ser unilateralmente fixado pelo Estado, por via da reserva relativa de competên- cia legislativa, e pela subordinação da Administração Pública e dos seus trabalhadores ao interesse público. As limitações à autonomia coletiva nas relações de emprego público andam associadas à necessidade de garantir a especificidade do regime jurídico-funcional dos trabalhadores públicos. É esse objetivo que justifica, por exemplo, a existência de modalidades especiais de autoregulação coletiva dos vínculos laborais (artigo 2.º do RCTFP); de um “sistema de articulação” em detrimento de um “sistema de concorrência” de instrumentos de regulação coletiva (artigo 343.º do RCTFP); a legitimidade do Ministério das Finanças para a celebração desses acordos, dada a necessidade de os compatibilizar do ponto de vista financeiro (artigo 347.º do RCTFP). Essa diferença substancial revela-se logo ao nível da contrapartida económica da prestação de trabalho: enquanto no regime de contrato individual de trabalho, a fixação das remunerações é um campo de “natural soberania” da autonomia coletiva, e portanto, um domínio especialmente aberto à regulação coletiva (Acór- dão n.º 229/94), no regime de emprego público, as remunerações constituem matéria de «bases» do regime da função pública, não podendo ser alteradas por instrumentos de regulação coletiva de trabalho (artigo 206.º do RCTFP, correspondente ao atual artigo 144.º, n.º 1, da LTFP). Em matéria de remunerações, essa possibilidade só poderá ocorrer ao nível dos suplementos remuneratórios, sem prejuízo de terem que ser criados por lei, o que significa que por via de tais instrumentos não se pode instituir novos suplementos mas apenas disciplinar os existentes (artigo 81.º, n.º 2, da Lei n.º 12-A/2008).  13. O direito de contratação coletiva não é, pois, um obstáculo à existência de normas legais imperativas que definem unilateralmente a relação de trabalho. Convém por isso distinguir entre o estatuto legal, consti- tuído por normas legais que não podem ser preteridas por quaisquer outras disposições (de regulamentação coletiva ou de contrato), do estatuto contratual, constituído pelas cláusulas do contrato, por normas suple- tivas e por normas dos instrumentos de regulamentação coletiva que, por se encontrarem apenas limitadas por normas imperativas mínimas, possam estabelecer condições mais favoráveis para os trabalhadores. Esta distinção decorre do artigo 3.º, n. os 1 e 3, do Código do Trabalho e do artigo 4.º, n.º 1, do RCTFP – que consagram o princípio favor laboratoris – ao estipularam que as suas normas podem ser afastadas por instru- mentos de regulação coletiva ou por contrato, mas apenas quando «daquelas normas não resulte o contrário». A existência de normas legais imperativas em matéria laboral tanto pode surgir para proteger os pró- prios interesses dos trabalhadores como para tutelar razões de ordem pública que ultrapassam esses interesses (Acórdão n.º 94/92). Em princípio, a previsão deste tipo de normas não conflitua com o direito à contratação coletiva. Como se escreve no Acórdão n.º 187/13, «a existência de normas legais imperativas, entendendo-se como tais as normas que estabelecem cláusulas fixas (que não podem ser substituídas) ou que impõem condi- ções mínimas para a tutela da relação laboral (que apenas podem ser substituídas por outras disposições que prevejam um regime mais favorável), não é, em si, contraditória com o direito à contratação coletiva. Apenas significa que tais normas consagram o estatuto legal do contrato – aplicável aos trabalhadores abrangidos por contrato de trabalho em funções públicas – e que não põem em causa o estatuto contratual, que é consti- tuído, além do mais, pelas normas dos instrumentos de regulamentação coletiva que não contrariem aquelas

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