TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

562 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entendimento unívoco de uma situação objetiva causadora de danos corporais ao trabalhador, já que a sua aplica- ção ao caso concreto pode envolver juízos de valor que inevitavelmente contêm elementos subjetivos, muitos deles integrados numa prognose, a sujeição da Administração ao princípio da juridicidade consente uma normatividade indeterminada e aberta como aquela. O espaço de autonomia concedido por aquele conceito permite à Adminis- tração criar diretivas internas de execução a determinar quais os acidentes de trabalho que são objeto de inquérito, mas que naturalmente só a ela vinculam. Diferentemente acontece com as normas que proíbem ações ou impõem omissões cuja prática é cominada com uma sanção. Aí a legalidade tem uma função de garantia, exigida pelo princípio do Estado de direito, que só é cumprida se houver um mínimo de determinabilidade dos comportamentos proibidos. Ou seja, a norma deve ser minimamente clara e precisa para que o agente possa saber, a partir do texto legal, quais os atos ou omissões que acarretam a sua responsabilidade. Ora, é esse mínimo de objetivação que falha na formulação legal do dever de comunicação dos acidentes de trabalho às autoridades administrativas que é imposto aos empregadores no artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. Para exprimir esse dever de comunicação não se mostra adequado e sufi- ciente usar o enunciado «situação particularmente grave», dado o elevado grau de indeterminação nele implicado. Em certos casos, os empregadores podem ficar numa situação de dúvida e incerteza quanto à identificação dos acidentes especialmente graves que devem ser comunicados à ACT. A primitiva legislação – e o que parece resultar da Diretiva n.º 89/391/CE – impunha a obrigação de comunicar apenas os acidentes de trabalho que acarretassem mais de três dias de incapacidade total, um enunciado de conteúdo objetivamente determinável. Já a opção legis- lativa pela fórmula «situação particularmente grave», que já vem da Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de novembro, abre-se a uma pluralidade de escolhas, tantas quantas as subjetividades que as constituem, gerando assim dúvidas e incertezas quanto ao tipo de acidentes de trabalho que devem ser comunicados à ACT. E não são as autoridades do trabalho, na sua função sancionadora, ou as autoridades judiciais, na sua função de controlo, quem vão dizer qual é a única solução válida, pois o grau de abertura do conceito indeterminado «particularmente grave» não deixa de possibilitar a intervenção das suas opções pessoais. Ora, ao abrir-se as portas à mera subjetividade, o agente não encontra no texto da lei a objetivação necessária e adequada que garanta a segurança e confiança jurídicas.   Assim, a norma do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, revela um tal grau de indeter- minação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo é inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição.» O julgamento de inconstitucionalidade incidiu sobre o artigo 257.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, que regulamentou o Código do Trabalho aprovado em anexo à Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto. Este preceito foi revogado pelo artigo 12.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou um novo Código do Trabalho, embora esta revogação só tenha produzido efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regulou a matéria da segurança, higiene e saúde no trabalho [artigo 12.º, n.º 6, alínea m) , da Lei n.º 7/2009]. Assim, o efeito revogatório apenas se operou com a entrada em vigor da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que estabeleceu o novo regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, nela constando os preceitos de onde se extrai a norma objeto do presente processo. 9. A semelhança das normas em causa no presente processo e no Acórdão n.º 76/16 é evidente – em ambos os casos estamos perante um dever de comunicação incidindo sobre acidentes de trabalho «que evi- denciem uma situação particularmente grave» cuja violação constitui uma contraordenação grave. Tendo em conta essa semelhança, mantém-se atual o sentido decisório. A idêntica conclusão se chega também por violação do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, mesmo con- siderando a menor exigência de tipicidade que se faz sentir no direito contraordenacional. 10. Por estes motivos, o recurso deve ser julgado improcedente e a norma julgada inconstitucional.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=