TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
561 acórdão n.º 825/17 ser comunicados às autoridades, mas de entre aqueles que devem ser comunicados há uma zona de indefinição e de insegurança que, sem um desenvolvimento complementar, não é compatível com o mínimo de determinação exigível ao tipo contraordenacional. Se o recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos e técnicos do ramo da medicina permite conhecer os casos que seguramente estão abrangidos ou excluídos do conceito de «acidente particularmente grave», há um número indefinido de situações relativamente às quais pode não haver um entendimento unívoco quanto à valoração da gravidade do acidente para efeitos de comunicação às autoridades do trabalho. Decerto que um acidente que evidencie a perda de um membro importante do corpo, da visão, da audi- ção ou a invalidez é um acidente que objetivamente está incluído naquele conceito; de igual modo, um acidente de que resulte uma ligeira laceração ou dor muscular que não determine a incapacidade para o trabalho é uma hipótese que objetivamente não está coberta pelo mesmo conceito. Mas pode haver alterações na integridade psi- cofísica do trabalhador que nem o recurso às regras da experiência e da ciência permite determinar com segurança se o acidente deve ou não ser comunicado às autoridades: um acidente de que resulte um entorse ou luxação com incapacidade para o trabalho por oito dias é particularmente grave para justificar aquela comunicação? A resposta só pode ficar à mercê da avaliação subjetiva-individual de cada empregador, pois aí deixa de haver lugar para uma opção objetivamente fundada. De facto, não é a perícia médica, a experiência comum ou as convicções éticas e culturais da comunidade que ditam se aquela lesão é ou não especialmente grave para os efeitos intencionados pelo dever de comunicação. Há aqui um espaço em branco, um vazio normativo, que apenas a subjetividade do empregador poderá preencher. De modo que através da fórmula «evidenciem uma situação particularmente grave» não é possível deduzir ou determinar todos os acidentes de trabalho que o empregador está obrigado a comunicar à ACT. E a dificuldade em conceitualizar os acidentes de trabalho que devem ser comunicados não foi ultrapassada através da indicação de um critério capaz de assegurar ao empregador a imediata cognoscibilidade daqueles acidentes. O conteúdo significativo daquela expressão legal não é imediatamente compreendido ou facilmente interpretado no contexto em que é con- vocado: o sentido intencional do termo «situação» tanto pode ser a lesão sofrida pelo trabalhador como o tipo de evento e o estado de segurança em que ocorreu o acidente; e o conceito «particularmente grave» é demasiado aberto para que possa ser preenchido com um elevado grau de objetividade, sendo certo que o advérbio «particularmente» ainda mais acentua a dificuldade em pré-determinar dentro dos acidentes graves os que são especialmente graves. Para além dos fins que determinaram a imposição do dever de comunicação, a norma não fornece pois um ponto de orientação suficientemente determinado para que o empregador possa conhecer com rigor quais os acidentes de trabalho que está obrigado a comunicar. O artigo 257.º objeto de fiscalização nem sequer vem acom- panhado de uma enumeração casuística de exemplos de acidentes particularmente graves, que permita uma obje- tivação adequada e suficiente do que deve ser comunicado às autoridades, ou de uma remissão para outras fontes normativas que complementem e determinem aqueles casos. Sabe-se que estes métodos e técnicas legislativas, desde que permitam de forma suficientemente autónoma formular o facto ilícito, não põem em causa o sentido fundamental do princípio nullum crimen (Acórdãos n. os 559/01, 41/04, 102/08, 115/08 e 635/11). Mas na ausên- cia dessa regulamentação típica, fica-se por uma indeterminação normativa demasiado excessiva quanto à indicação dos acidentes de trabalho que o empregador deve comunicar à ACT. Decerto que o legislador ao impor o dever de comunicação não o fez para permitir manifestações meramente subjetivas dos empregadores, mas sim para que se realizassem os fins que o determinaram a estabelecer tal obri- gação. A imposição aos empregadores da obrigação de comunicarem às autoridades do trabalho certo tipo de acidentes tem em vista a proteção das condições de segurança que devem ser asseguradas aos trabalhadores no local e no tempo de trabalho. Tal obrigação está diretamente relacionada com a norma do n.º 2 do artigo 279.º do Código do Trabalho, na versão então vigente, que atribui à ACT a competência para «realizar inquéritos em caso de acidente de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave». Por conseguinte, o dever de comunicação do acidente tem por finalidade permitir à ACT conhecer os casos que justificam a realização de um inquérito às condições de segurança em que o trabalho estava a ser prestado. Ora, enquanto pressupostos de atuação da ACT, o conceito indeterminado «situação particularmente grave» convive bem com o princípio da legalidade administrativa. Não obstante o emprego do adjetivo «grave» subtrair a aplicação do artigo 257.º a um
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