TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

555 acórdão n.º 819/17 “[…] [O] que parece indiscutível é que tanto o domínio útil como o direto são direitos reais de gozo. E que nada exclui, na sua estrutura ou regime, a suscetibilidade de serem exercidos por um aparente titular. Nada exclui, isto é, a suscetibilidade de serem possessoriamente exercidos. Nada impede tão-pouco que a posse de que são suscetíveis conduza à sua aquisição prescricional. Nem mesmo pode supor-se que a circunstância de a enfiteuse vir regulada entre os contratos [referia-se ao Código de Seabra] tenha o alcance de afastar aquela usucapibilidade, pois o legislador ao localizá-la no título II do Livro II do Código fê-lo apenas em consideração de que, sendo o contrato a mais frequente forma de constituição dos domínios útil e direto havia conveniência em regulá-los aí. Mas com isto não pretendeu proibir que aqueles direitos se constituís- sem pelos meios geralmente admitidos em direito, como são, por exemplo, o testamento ou a usucapião. […]” ( Prescrição Aquisitiva, cit, vol. I, p 195). Tal regime não contraria o programa constitucional, antes lhe dando cumprimento, o que, pelas razões apontadas ao longo deste texto, se conclui sem necessidade, sequer, de entrar na discussão da natureza das regras da usucapião – ou seja, se implicam “privação da propriedade” ou apenas respeitam a “regulamentação do uso dos bens” (sobre a matéria, cfr. o acórdão de 30 de agosto de 2007 do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, caso J. A. Pye (Oxford) Ltd. e J. A. Pye (Oxford) Land Ltd. c. Reino Unido , queixa n.º 44302/02, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-82172; para o respetivo comentário, vide Abílio Vassalo de Abreu, Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliária versus Usucapião ( Adverse Possession ), Coimbra, 2013, especialmente pp. 21 e seguintes). Ora, se – como vimos – não existe obstáculo da Lei Fundamental ao reconhecimento da enfiteuse por usucapião nos termos consagrados no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, e se a consolidação da propriedade plena na esfera jurídica do titular do domínio útil cumpre o programa constitucional, forçoso é concluir que nenhum destes mecanismos que operam no plano dos efeitos reais (ou seja: o reconhecimento da enfiteuse por usucapião; e a extinção do domínio direto e consolidação da propriedade plena na esfera do titular do domínio útil) assenta em normas inconstitucionais. É o que importará afirmar. Questão diferente é, como vimos, a da (falta de) indemnização ao titular do domínio direto. 2.8. A forte limitação legislativa da indemnização prevista para a o titular do domínio direto implica, em substância, que a lei exclui a atribuição de um “[…] efetivo direito de indemnização à generalidade dos sacrificados” (João Cura Mariano, As Últimas Enfiteuses , cit., p. 378). Trata-se de um efeito a que o texto constitucional é alheio, sendo certo que nunca incluiu esse elemento na credenciação do legislador ordiná- rio, visto que “[…] ao abolir a enfiteuse, a Constituição não versou, diretamente, a posição dos ‘senhorios diretos’ atingidos. A compensação a que têm direito foi consignada nos diversos diplomas que suprimiram a enfiteuse […]” (António Menezes Cordeiro, no parecer junto aos autos, fls. 1627). A este respeito, remete-se, genericamente, para a fundamentação do Acórdão n.º 786/14 ( supra , item 2.3.2.), designadamente os respetivos pontos 11. e 12. – que aqui se dão por reproduzidos – para concluir que, em termos gerais, não é constitucionalmente tolerável que a ablação do direito do titular do domínio direto, cujo conteúdo patrimonial é inegável, não seja acompanhada da perspetivação de alguma forma de compensação indemnizatória, conflituando essa ausência de normas (prevendo qualquer forma de compen- sação) com o disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição. O que vale por dizer que, na mesma perspetiva geral em que se colocou a decisão ora recorrida, ao trans- por para a sua decisão de recusa o exato juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 786/14, deve agora este Tribunal, dando sentido decisório à fundamentação desenvolvida ao longo do presente Acórdão, julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto- -Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, interpretado no sentido de a extinção do direito correspondente ao domínio direto numa relação jurídica de enfiteuse por força do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=