TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

554 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de 16 de março (em redação introduzida por lei parlamentar) limita-se a acolher “[…] situações que, a veri- ficarem-se, permitem que se presuma, sem mais, a aquisição pelo cultivador do domínio útil, por usucapião, por se considerar que a situação é fortemente indiciária da existência de uma relação enfitêutica, constituída através de uma posse prolongada” (João Cura Mariano, As Últimas Enfiteuses , cit., p. 370). E, como mais adiante realça o mesmo Autor, à extinção do domínio direto associam-se, precisamente, razões de interesse público “[…] subjacente[s] ao princípio da tipicidade dos direitos reais, [no sentido de] de inexistirem situa- ções de domínio dos bens não admitidas pela ordem jurídica […]” (p. 376). E sustenta, ainda, o seguinte, quanto à descaracterização do modo de aquisição do direito real: “[…] Tendo este preceito sido lido como consagrando uma presunção legal de direito segundo a qual, verificadas as circunstâncias descritas nas suas duas alíneas, deve julgar-se constituída, por usucapião, a enfiteuse, salvo se a contraparte demonstrar a inexistência do direito presumido, nos termos do disposto no artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, não é possível considerar que, com a alteração ocorrida, se tenha promovido uma equiparação dos arrendamentos de longa duração à enfiteuse, quando tenham sido realizadas benfeitorias consideráveis, operando- -se, nestas situações, uma transferência ope legis do direito de propriedade para o arrendatário. Daí que não tenha ocorrido uma extensão do regime extintivo da enfiteuse a outras realidades estranhas ao programa constitucional de abolição da enfiteuse ou uma transmutação dessas realidades, designadamente arrendamentos de longa duração, em enfiteuses, o que configuraria uma ofensa inconstitucional ao direito de propriedade. No intuito de superar as dificuldades de prova dos elementos imprescindíveis a revelar uma aquisição do direito de enfiteuse por usucapião em tempos muito recuados, apenas se estabeleceu uma presunção dessa aquisição perante a verificação de factos que a indiciam, sendo essa presunção ilidível, mediante a prova pela contraparte de que essa aquisição não aconteceu, designadamente através da prova da relação jurídica estabelecida ( v. g. , arrenda- mento), tendo por objeto o imóvel em causa, invertendo-se, assim, o ónus da prova numa situação em que este tornava excessivamente difícil o exercício do direito, o que está dentro da liberdade do legislador. […]” (p. 379). Espelha este entendimento um regime de sentido coincidente com o programa constitucional, sem torção do sistema de aquisição dos direitos reais, antes procurando reagir às dificuldades práticas que a tentativa de cumprimento desse mesmo programa fez sentir, designadamente as dificuldades probatórias, relativamente às quais o mecanismo da presunção ilidível constitui resposta adequada, habitual e constitu- cionalmente permitida. Em suma, o reconhecimento, no momento atual, de uma relação de enfiteuse constituída por usuca- pião, por referência à data da abolição desta figura (16 de março de 1976), nos termos do referido diploma não merece a censura inerente a um juízo de inconstitucionalidade. 2.7.2. Prosseguindo na mesma linha de considerações, sublinhe-se que os efeitos reais previstos no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, não correspondem a um renascimento (proibido) da enfiteuse, mas antes ao reconhecimento por referência à data da respetiva abolição. Nas palavras de Rui Marcos, trata-se de situações em que «o legislador facilitava que a enfiteuse se mostrasse para melhor a abater» (“O Regresso da enfiteuse”, in O Sistema contratual romano: De Roma ao Direito atual, Coimbra, 2010, pp. 976 e seguin- tes). Note-se que a constituição da enfiteuse por usucapião passou a estar expressamente prevista no Código Civil de 1966 (respetivos artigos 1497.º e 1498.º), e, mesmo no quadro do Código de Seabra – que a definia como contrato (“contrato de emprazamento”), cfr. o respetivo artigo 1653.º –, a asserção relativa à usucapi- bilidade da enfiteuse era invariavelmente afirmada. Neste sentido, referia José Dias Marques:

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