TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
553 acórdão n.º 819/17 (mesmo preceito) e dos «cultivadores» (artigo 96.º-2) sobre os interesses dos proprietários fundiários, os quais cedem perante aqueles (artigos 94.º e 96.º). […] Esta preferência pelo direito do trabalho e da exploração agrícola direta sobre o direito de propriedade fundiária bem como a proteção especial devida aos pequenos e médios agricultores (que são coerentes com os valores gerais da Constituição) não podem deixar de ser valorizadas no plano da interpretação das normas da «constituição agrí- cola» e do seu desenvolvimento legislativo. […]”. E, em comentário ao artigo 96.º da Constituição, acrescentam os mesmos Autores ( ob. cit. , pp. 1062 e seguintes): “[…] O objeto desta norma consiste em reduzir e racionalizar as formas de exploração de terra alheia. Trata-se, por um lado, de suprimir várias formas tradicionais, designadamente as que implicavam a coexistência de diferentes direitos de caráter real sobre a terra (como era o caso do aforamento e da colonia) (…), formas essas que (…) não passavam de sobrevivências de relações pré-liberais de domínio e de produção agrícola (n.º 2); trata-se, por outro lado, de reclamar uma disciplina legislativa do arrendamento – o qual passa a ser verdadeiramente o único título de utilização de terra pertencente a outrem (ressalvadas as formas de utilização da terra expropriada no âmbito da reforma agrária: art. 94.º-2) –, de harmonia com os objetivos e a perspetiva constitucional que preside à política agrícola (…). […]”. No mesmo sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coim- bra, 2006), anotando o artigo 96.º do texto constitucional, referem: “[…] A primeira parte do primitivo artigo 101.º, n.º 2, da Constituição impunha a extinção dos regimes de afora- mento ( ou enfiteuse ) respeitantes a prédios rústicos, operada – ainda antes da entrada em vigor da nova Constituição – pelo Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março , o artigo 55.º da Lei n.º 77/77, de 29 de setembro, e o Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro, extinguiram a colonia. Em conformidade, na primeira revisão constitu- cional, a Constituição passa, pura e simplesmente, a proibir os regimes de aforamento e colonia. […]” (p. 174, itálicos acrescentados). Ou seja, foi o próprio legislador constitucional que entendeu que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, dava resposta ao programa constitucional, isto no que respeita à extinção da enfiteuse. Ademais, como justamente sublinham os últimos Autores citados, “[…] a imposição da extinção de formas de exploração da terra consideradas constitucionalmente inaceitáveis ou a proibição da sua repris- tinação material constitui uma habilitação constitucional suficiente para o estabelecimento pelo legislador de restrições ao direito de propriedade” ( ob. cit. , p. 178). 2.7.1. Contra o que vai dito, não pode afirmar-se, simplesmente, que as normas contidas no Decreto- -Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, violam o princípio da tipicidade dos direitos reais. Independentemente do sentido em que se entenda tal princípio, o certo é que o legislador ordinário – vinculado a um programa de extinção da enfiteuse – teria que introduzir normas de modificação dos direitos reais e, de todo o modo, tais alterações foram introduzidas pela via legislativa. Por outro lado – como se assinalou já e também sobressai na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 786/14 – o reconhecimento da enfiteuse nos termos do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76,
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