TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL propriedade fundiária, incluindo a forma extrema de privação total […]” e que “[…] a posição de rejeição de formas de exploração da terra de reconhecida injustiça social – enfiteuse e colonia – que o legislador consti- tuinte assume alicerça-se claramente em valores de proteção do cultivador, plasmados na Constituição (cfr. artigos 93.º, n.º 1, e 96.º)”. Sendo certo que, no Acórdão n.º 786/14 (assumido como base argumentativa pela decisão recorrida), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização, a verdade é que tal juízo de incons- titucionalidade (aferido, como vimos, por referência a todo o bloco normativo) assentou exclusivamente na falta da indemnização devida pela apropriação e não, essencialmente, na contrariedade à Constituição da solução extintiva. Na verdade, e pelo contrário, ali se pode ler que “[…] perante a extinção da enfiteuse, a privação do direito de propriedade do titular do domínio direto pela consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil apresenta credencial constitucional, decorrendo da ponderação do comando constitucional relativo à política agrícola constante do artigo 93.º, n.º 1, alínea b) , e, especificadamente, do disposto no artigo 96.º, n.º 2, ambos da Constituição”. Não é difícil compreender as razões de tal afirmação, face ao que a Constituição prevê, designadamente, nos artigos 94.º e 96.º: «Artigo 94.º (Eliminação dos latifúndios) 1. O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objetivos da política agrícola será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à correspondente indemnização e à reserva de área suficiente para a viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração. 2. As terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agri- cultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de exploração por trabalhadores, sem prejuízo da estipulação de um período probatório da efetividade e da racionalidade da respetiva exploração antes da outorga da propriedade plena. Artigo 96.º (Formas de exploração de terra alheia) 1. Os regimes de arrendamento e de outras formas de exploração de terra alheia serão regulados por lei de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador. 2. São proibidos os regimes de aforamento e colonia e serão criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de parceria agrícola.» Os interesses do cultivador foram erguidos em prioridade pelo legislador constitucional, pelo que, favo- recendo a Constituição a extinção dos vínculos perpétuos de exploração da terra, como é o caso da enfiteuse, e implicando essa transformação, necessariamente, o sacrifício de uma das posições desta relação jurídica, a proteção mais conforme ao programa constitucional beneficia o cultivador. Neste sentido, a solução encontrada pelo legislador ordinário encontra apoio na Lei Fundamental. Ademais, como explicam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 1049): “[…] Entre os vários intervenientes nas relações de produção agrícolas, a Constituição só cuida dos trabalhadores rurais e dos agricultores (n.º 1/b). Essa preferência traduz a prevalência dos interesses dos que «trabalham a terra»
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