TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
551 acórdão n.º 819/17 respetivos pressupostos é o da abolição da enfiteuse. Não se reconhece, pois, a enfiteuse atual, para vigorar doravante, mas antes a enfiteuse em 1976, enquanto pressuposto do mecanismo jurídico que conduz à sua extinção, efeito que se encontra previsto nos n. os 5 e 6 do artigo 1.º do Decreto- -Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. Aliás, por via deste efeito se manifesta o caráter originário da “aquisição prescricional” (da aquisição por usucapião), invariavelmente reconhecida na Doutrina (cfr. J. Dias Marques, Prescrição Aquisitiva , vol. II, Lisboa, 1960, pp. 203/206). (ii) Um outro efeito real, que – na sequência daquele reconhecimento – faz consolidar a propriedade plena na esfera jurídica do titular do domínio útil, o que implica o sacrifício do direito do titular do domínio direto, que se extingue por completo na esfera jurídica deste, efeito que se encontra previsto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. (iii) Um terceiro efeito, de natureza obrigacional, que se traduz numa obrigação de indemnizar o titular do domínio direto, obrigação essa a cargo do Estado, mas restrita à hipótese de aquele ser uma pessoa singular com rendimento mensal inferior ao salário mínimo nacional. De onde resulta, ainda, e a contrario – que antes identificámos como regra geral –, que, nos casos em que o titular do domínio direto não seja uma pessoa singular nas referidas condições, a lei não prevê qualquer indemnização, efeito que se encontra previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. Ou seja, e por outras palavras, a extinção do direito correspondente ao domínio direto numa relação jurídica de enfiteuse por força do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, não confere direito a indemnização se o respetivo titular for uma pessoa singular com rendimento mensal igual ou superior ao salário mínimo nacional ou caso se trate de uma pessoa coletiva. Este contexto normativo implica duas consequências relevantes para os presentes autos. A primeira é que – como já se havia antecipado – os três efeitos jurídicos suprar referidos são autóno- mos (embora alguns dependam de outros): poderia haver reconhecimento da enfiteuse por usucapião sem consolidação da propriedade plena no titular do domínio direto; poderia haver reconhecimento da enfiteuse por usucapião e consolidação da propriedade plena no titular do domínio direto sem direito a qualquer indemnização ou com direito a indemnização nos termos gerais. Ou seja, trata-se – num sentido próximo ao que se assinalava na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 786/14 – de normas distintas, que podem ser objeto de juízos de inconstitucionalidade distintos, pelo que assim devem ser apreciadas. A segunda é que, não obstante a referência formal, na decisão recorrida, apenas à recusa dos n. os 5 e 6 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, o conjunto normativo recusado integra também, inevitavelmente, o artigo 2.º do mesmo diploma – a norma reguladora da indemnização –, a que, de resto, faz apelo (sendo certo que é, precisamente, a falta da indemnização o fundamento para a afirmação do juízo de inconstitucio- nalidade), e, ainda, o artigo 1.º, n.º 1, do mesmo diploma, no qual se prevê a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, a que também se faz apelo na fundamentação. É nestes termos que a questão colocada no presente recurso deve ser equacionada. 2.7. Os efeitos reais das normas em causa – o reconhecimento, no momento atual, de uma relação de enfiteuse constituída por usucapião, por referência à data da abolição desta figura (16 de março de 1976) e a consolidação da propriedade plena na esfera jurídica do titular do domínio útil – estão em linha com o sentido que a jurisprudência do Tribunal vem admitindo como o correspondente ao programa constitucional nesta matéria. Recorde-se que, já no Acórdão n.º 159/07 (cuja fundamentação, na parte relevante, se encontra trans- crita no item 2.3.1., supra ), se assinalava que “[…] a especial densidade que o nosso texto constitucio- nal confere à estrutura económica do país leva a que a chamada ‘Constituição Económica’ seja uma fonte importante de limitações ao alcance do direito de propriedade. Tais limitações podem assumir especialmente relevância no que toca à propriedade rural, dado que os artigos 93.º a 98.º espelham um objetivo consti- tucional de transformação da realidade agrícola e florestal, admitindo, explicitamente, constrangimentos à
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=